Blog do PC
PC Rumo à Patagônia
08/02/10 – Rumo à Patagônia!
Finalmente chegou a hora.
Como é difícil partir!!!
Infinitos detalhes, mapas, documentos, revisão do carro, roupas, acessórios, provisões, material de trabalho… uma lista quase interminável.
Mas agora sim meus amigos, estou de partida neste momento. Espero poder compartilhar com vocês (se a internet nos confins da Argentina e Chile funcionar) alguns momentos desta viagem que significa muito pra mim.
Agradeço todo o apoio recebido até agora, dicas, frases de incentivo, orações e muito carinho.
Um grande abraço,
PC
09/02/10 – São José dos Pinhais (PR) > Mostardas (RS): 779km.
Hoje peguei de tudo: chuva, sol, estrada boa, estrada ruim. A descida até Joinville é linda, com infinitas araucárias. Entrando no RS segui a dica que um cliente me deu: saí da BR-101 e fui por uma estrada local que passa atrás de Torres e Capão da Canoa. Valeu a pena, estrada muito boa quase sem movimento. Essa praia Capão da Canoa impressionou, é uma Riviera com muito mais casas do que prédios, aqui no Rio Grande do Sul.
Arrumei uma pousada bacana aqui em Mostardas por R$ 40!!! (é limpa e boa!!). A cidade não tem nada é só um ponto de parada mesmo. Estou surpreso com a facilidade de encontrar internet wi-fi em qualquer biboca. Espero que continue assim. Amanhã farei a primeira aduana e se Deus quiser durmo em Montevidéu.
Obrigado pelas mensagens de carinho que continuo recebendo! Vocês não sabem como é bom viajar sozinho o dia inteiro e ler um monte de mensagens assim no final do dia, dá muita força pra continuar. Valeu!
Bjs e abs,
PC
10/02/10 – Mostardas (RS) > Montevidéu (URU): 734 km
São 8:15h. Saio de Mostardas em direção à Rio Grande. Que sensação de paz! Dirijo por uma pista que corta a Reserva de Taim. Dos dois lados vejo uma extensa área plana interminável. Os pastos predominam, mas também há muitos lagos e árvores que atraem uma variedade enorme de animais. Vejo muitas garças, sozinhas e em grupo, bem-te-vis, pica-paus de penacho vermelho, pequenos pássaros pretos kamikazes que insistem em tirar finas na frente do carro, duas capivaras correndo ao lado das áreas alagadas e o mais lindo do dia: 2 falcões em uma árvore bem ao lado da pista. Imediatamente paro o carro (já não passa quase ninguém por aqui) e fico olhando os dois de binóculos. Lindos! Tiro algumas fotos, mas o zoom da máquina não é lá essas coisas. Só ao vivo mesmo. Sigo viagem por esta linda paisagem e um asfalto perfeito. Já nem olho mais para o velocímetro e sim para o conta-giros, mantendo-o entre 2.500 e 3.000 rpm, um ritmo confortável em 5ª marcha perfeito para apreciar e curtir a viagem. Como é bom ser o meu próprio patrão e planejar a viagem num ritmo confortável, sem pressa. Se eu fizesse essa viagem pelo Itaú certamente seria obrigado a percorrer distâncias malucas e ainda enviar um relatório detalhado de hora em hora.
Mostardas (pra quem ainda não fuçou no google maps) fica naquela faixa de terra do Rio Grande do Sul, entre o Oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos. Este caminho é pouco utilizado, pois para chegar em Rio Grande não há ponte e deve-se pegar uma balsa de 30 minutos. Nada demais para quem vai percorrer 14 mil quilômetros.
Até o Chuí mais 250 km. Na saída de Rio Grande errei a estrada duas vezes! Mas logo percebi e voltei para o caminho certo. Mais reserva natural e mais aves kamikazes. A 30 km do Chuí parei para almoçar no único lugar que apareceu na estrada, já eram duas da tarde. Se eu fosse ligar para a aparência do lugar virava as costas e ia embora. Resolvi arriscar e me dei bem: um delicioso bife macio e acebolado, arroz, feijão, salada, ovo estrelado, suco e café. R$ 13,80!!
Passei pela aduana sem problemas. Ao entrar no Uruguai a paisagem muda. Voltam a aparecer algumas montanhas, muitas árvores e grandes lagoas. A gasolina é quase o mesmo preço do Brasil: R$ 2,85/litro.
Primeiro vacilo da viagem! Tão acostumado a usar o sem-parar no Brasil, com quase 180 km rodados no Uruguai me aparece um pedágio na estrada. Pensei: “humm, ferrou”. Não tenho um centavo em pesos uruguaios. Pensei no hotel e na gasolina que aceitam cartão de crédito, claro. Mas pedágio! Que falha de programação. Chegou a minha vez e já mandei um: “hola que tal?, no tengo pesos uruguayos…” Mas a mulher já deve estar acostumada com esse tipo de vacilo. Me deixou pagar em Reais e ainda me deu o troco em pesos uruguaios para pagar os próximos. E olha que a conversão foi boa: 10 pra 1.
Amanhã será um dia curto, menos de 300 km. Mereço um descanso depois de mais de 2.000 km. Chegarei em La Plata, que fica a 60 km de Buenos Aires na casa dos queridos amigos Dardo, Ale e Naty.
Já tirei algumas fotos mas não estou conseguindo baixar para o micro, acho que o leitor do cartão de memória está com pau. Assim que resolver isso envio algumas a vocês.
Bjs,
PC
11/02 – Montevidéu (URU) até La Plata (ARG) – 234 km
O dia de 25 horas que não vou recuperar!
8:30h já estou dirigindo pelas ruas de Montevidéu procurando pela Ruta 1. A explicação do rapaz que foi abrir o estacionamento para mim foi perfeita. Em menos de 20 minutos vou do centro até a Ruta, e agora tenho pesos uruguaios na carteira. Estrada vazia e sem novidades, chego em Colonia del Sacramento com 45 minutos de antecedência para embarcar no Buquebus das 11:15h. A travessia pelo Rio da Prata é rápida e não dá pra ver muita coisa, pelo menos no Buque Rápido. Antes de sair do carro me besuntei de protetor solar, peguei óculos escuros, boné e binóculos. Entro na cabine e vou logo subindo todas as escadas que encontro pela frente, quero viajar no deck! Até que no último andar sou barrado por um segurança, o último andar é só primeira classe. E não, ninguém pode sair para o deck. Na cabine dos pobres encontro quatro brasileiros que estão indo pra Ushuaia também, de moto!
O barco atraca em Buenos Aires no Puerto Madero. Agora são 12:30h e faz um calor de suar até atrás dos joelhos. A/C no máximo e bora pra La Plata. Já tinha feito esta viagem com o Dardo (amigo da família) duas vezes e não foi difícil achar a auto pista. Mais 50 minutos e já havia cumprido minha meta de hoje: 234 km. Acumulado: 2.153 km. Nada como uma tarde de descanso depois de 2 mil km. Aqui sou recebido como um rei pelos amigos. Dardo e eu almoçamos lula a doré, e depois até deu pra pegar uma piscina!
Hoje acontece algo curioso. Ao atravessar o Rio da Prata volto o relógio em uma hora, ou seja, o meu dia passa a ter 25 horas. Geralmente quando viajamos para um país com fuso horário diferente perdemos ou ganhamos algumas horas na ida e depois recuperamos as mesmas horas na volta. Acontece que eu volto só depois do carnaval, quando o horário brasileiro de verão já terá acabado. Assim, ao deixar a Argentina daqui a algumas semanas não vou perder essa hora que acabo de ganhar.
Hoje me peguei pela primeira vez desligando o rádio na estrada para pensar na vida. E olha que ainda nem entrei nos cenários desérticos e bucólicos da Patagônia.
À noite me empanturrei de churrasco e cerveja aqui na casa do Dardo. Ele convidou um amigo especialista em carnes, o Señor Marcos. Suas técnicas de assar carnes, chorizo, costela e lombo são dignas de um argentino. E o Dardo, exagerado como sempre, fez 3 levas de papas a provençal. Acho que vou tomar um Eno.
Boa noite.
Ps: finalmente as primeiras fotos!
Bjs,
PC
12/02/10 – Sex: 489 km – La Plata até Três Arroyos
O caminho até Tres Arroyos não tem muitas emoções. Entro na cidade e consigo um hotel justo. Vou tentar dormir cedo pois amanhã será um longo dia, quase 1.000 km. Meus planos de dormir cedo são atrasados pelo recepcionista do hotel, muito simpático e falador. Mas valeu a pena, ele me deu boas dicas de como atravessar a cidade de Bahia Blanca e recomendou fortemente que eu visite Mendoza nesta época do ano. Adoraria, mas vai ficar pra próxima.Bom carnaval a todos e boa sorte pra quem for desfilar. Cacau e cia. arrasem na avenida!
13/02 – Três Arroyos até Trelew – 958 km
Ao deixar a cidade de Três Arroyos volto para a Ruta 3. Esta “carretera” começa em Buenos Aires e vai até a Baía de Lapataia, depois de Ushuaia, lugar considerado como o fim do mundo. Na verdade não é. A Ilha de Navarino no território Chileno ainda está mais ao sul. As ilhas Terra do Fogo e Navarino são separadas pelo Canal de Beagle, em memória ao navio no qual Darwin deu a volta ao mundo: HMS Beagle. Todo navio da marinha inglesa tem o prefixo HMS que significa His (Her) Majesty’s Ship. Além do navio o próprio Darwin foi homenageado, seu nome foi utilizado para batizar os últimos picos da Cordilheira dos Andes, que leva o nome de Cordilheira Darwin.
Assim que entro na Ruta 3 sinto o carro puxar fortemente para o lado esquerdo. Droga, pensei, devo estar com um pneu murcho. Ao calibrar os pneus em La Plata o rapaz esqueceu de recolocar a tampinha de plástico no dianteiro esquerdo. Pronto, além de perder a tampa ainda ganhei um vazamento na válvula. Vou ter que parar na próxima “estación de servicio”. Antes de chegar ao posto, contudo, reparo que o mato ao lado da pista está a balançar, bem de leve. Algumas das árvores mais altas também balançam, mas tem que prestar muita atenção. Será? O balé do mato não estava condizente com a “puxada” para a esquerda. Fico observando intrigado. Passam 5 minutos e resolvo dar uma limpada no pára brisa já bastante sujo de insetos. Vem a confirmação: o jato do limpador quase não chega ao vidro, é empurrado para baixo e para a esquerda. Que vendaval! Em alguns momentos uma nuvem de areia invade a pista e não dá pra enxergar quase nada, os carros praticamente param. É a primeira vez que sinto a força do vento quase Patagônico. Em alguns minutos, além de jogar o carro para o lado o vento passa também a soprar contra o veículo. Para permanecer em 120 km/h eu tenho que pisar até o fim e ainda sinto o carro sofrendo. O rendimento do combustível cai bruscamente de uma média de 11,4 km/l para 7,95!! Sou obrigado a fazer uma parada não programada para reabastecer. Nesta parada tenho a idéia de retirar o recks para diminuir o arrasto (operação simples graças ao sistema de “click” da Thule). Melhora mas não muito, o rendimento sobe para 8,57 km/l, o carro sofre um pouco menos e o barulho de vento diminui. Por um momento senti saudades da minha Parati GLSi 2000. Que nada, a Parati não ia encarar nada bem o rípio que ainda vem pela frente.
Ao cruzar o Rio Colorado estou oficialmente em terras Patagônicas. O vento continua forte e a viagem torna-se penosa. Mais uns 150 km e chego às cidades de Viedma e Carmen de Patagones. Aqui o Rio Negro chega volumoso para desembocar no Oceano Atlântico. Mais uma parada para reabastecimento e empanadas.
Sigo pela Ruta 3 e o vento diminui. Já era hora. O trecho de hoje é bem longo e ainda estou na metade mas não posso pensar nisso. Volto a curtir a viagem conduzindo o carro nos 3.000 rpm e som na caixa.
Tenho que parar 3 vezes para revistarem o carro. Todos os veículos são obrigados a parar nas barreiras Zoofitosanitárias. Qualquer animal, fruta, alimentos in natura que possam transmitir a Febre Aftosa são confiscados nestas barreiras. A Patagônia é uma região que conseguiu extinguir a febre e toma algumas precauções, com razão. Os agentes são bem educados, pedem licença para olhar o seu carro, dão uma olhada meia boca e te deixam seguir.
11 horas depois de deixar Três Arroyos chego à Trelew: 958 km num dia. Acumulado: exatos 3.600 km!!
Entro no primeiro hotel que por sorte é bom e justo. Tomo um banho e vou jantar. No restaurante a garçonete me informa que há mais um brasileiro jantando. Ele já estava de saída e vem conversar comigo. James Bittencourt: o cara é um músico que está indo para Ushuaia de bike!!! Começou em Curitiba com três amigos mas acabou ficando pra trás, queria curtir mais as paradas e os outros 3 se mandaram, devem estar uns 3 dias à frente dele neste momento. Disse que pedala em média 150 km por dia e deve chegar em Ushuaia daqui a uns 12 dias. Depois eu que sou maluco…
Buenas, vou dormir porque amanhã cedo tenho o compromisso mais importante da viagem: buscar a Marina no aeroporto de Trelew. Uhu, 10 dias de companhia maravilhosa!
Buenas noches,
PC
14/02/10 – DOM: 71 KM – TRELEW ATÉ PUERTO MADRYN
Acordo às 7h e ligo o computador para ver se o vôo da Marina saiu mesmo de Buenos Aires no horário previsto. Não consigo conectar a rede wi-fi do hotel. Ligo para a recepção e sou informado que o hotel inteiro está sem luz. Nem tinha percebido. Sempre me levanto e já abro as janelas para não correr o risco de voltar para a cama. A recepcionista muito solícita se oferece para ligar no aeroporto e perguntar. Tudo certo, pouso previsto para às 8:08h. Nem parece a Aerolíneas Argentinas! 8 minutos nem pode ser chamado de atraso.
Espero ansioso. Ela é a primeira a sair, que coisa boa! Um abraço longo e apertado, olhos mareados. Só faz uma semana mas parecia muito mais. Curioso isso, quando estou tomado pelas rotinas diárias de viagem, rotas, planejamento, dormir cedo, conversas pelo Skype, eu sinto saudades, claro. Mas ao vê-la pessoalmente tudo mudou.
Viajamos 71 km para o norte, voltando um trecho que eu havia feito ontem e chegamos à cidade de Puerto Madryn. Faz um dia maravilhoso! Céu azul sem nenhuma nuvem, o sol nascendo atrás do mar, a cidade ainda vazia afinal são 9h de um domingo. Puerto Madryn fica no Golfo Nuevo, formado ao sul da Península Valdés. Aqui estamos na latitude 42º6 S. Pela primeira vez o vento quente que me acompanha desde São Paulo fica gelado e finalmente começo a usar calças e casacos. A cidade é muito gostosa, tem uma praia linda e quase vazia, muitas opções de hospedagem, restaurantes e passeios. Marcamos um caiaque oceânico para as 14h que nos leva até Punta Lomos, uma reserva de lobos marinhos, cormorones, gaivotas e outros animais. É indescritível remar num mar tão azul ao lado destes habitantes que estão ali por opção.
Voltamos para tomar banho e jantar. No caminho vemos uma “peluqueria para perros” (nome engraçado para um pet shop). Hoje é comemorado o dia dos namorados aqui na Argentina (e em vários países do mundo). Escolhemos um lugar excelente chamado Mar y Meseta: a Marina come merluza ao molho de mel, canela, gengibre e abobrinha. Eu peço merluza ao molho de roquefor. Um vinho branco Mastroeni, de Mendoza coroa a noite. Perfeito para um dia de reencontro!
Até amanhã,
PC e Marina.
15/02/10 – SEG: 313 KM (202 KM DE RÍPIO) – PUERTO MADRYN ATÉ PENÍNSULA VALDÉS E PUERTO PIRÂMIDES
Hoje saímos cedo em direção ao norte novamente para conhecer a Península Valdés. Este incrível pedaço de terra árida é rodeada por um mar azul marinho maravilhoso, bem parecido com o mediterrâneo. Está ligada ao continente por um estreito ístimo e depois a península se abre ao norte e ao sul formando dois golfos: ao norte o Golfo San José e ao sul o Golfo Nuevo, onde está a cidade de Puerto Madryn.
Para entrar na península pagamos $ 45 pesos por pessoa. Nosso objetivo é chegar à Punta Norte, uma praia que abriga cerca de 5 colônias de leões marinhos (aqui na argentina são chamados de lobos marinhos mas são a mesma coisa). Esse nome vem do fato que os machos adultos desta espécie possuem uma espécie de juba, assim como os leões. Esses lindos animais vivem em águas frias e se alimentam basicamente de peixes e moluscos. Nesta época do ano passam semanas deitados na areia bem próximo ao mar. Isso porque os filhotes ainda estão aprendendo a nadar e dependem da mãe para comer. Nos meses de Março e Abril os filhotes já passam bastante tempo na água bem perto da areia e nessa época é comum ver aqueles ataques de baleias orcas que aproveitam a maré cheia e se jogam na areia na tentativa de capturar algum deles. É uma cena impressionante, a natureza nua e crua, que acabamos não vendo. Pena.
Aqui vale uma observação que aprendemos no Eco Centro de Puerto Madryn. As orcas na verdade não são baleias e sim grandes golfinhos. As baleias não possuem dentes e sim uma espécie de filtro de queratina que retém o alimento. Outra diferença está na mandíbula, os golfinhos possuem uma mandíbula única, como a nossa, que começa de um lado da boca até o lado oposto. Os ossos da mandíbula de uma baleia começam na articulação mas não se unem lá na frente, onde seria o queixo e os dentes incisivos. Devido à forma como se alimentam as baleias possuem grandes mandíbulas o que numa baleia franca, por exemplo, chega a cerca de 1/3 do seu corpo. Os golfinhos possuem cabeças menores com mandíbulas articuladas e dentes afiados.
As 5 colônias que vivem em Punta Norte totalizam aproximadamente 1800 leões marinhos. Numa das colônias havia um casal de leões um pouco mais afastado se amando de uma forma muito intensa. Depois de quase uma hora eles se deitaram um ao lado do outro, exaustos, como se estivessem conversando e fumando um cigarro. Nas colônias os animais ficam todos misturados, machos, fêmeas, jovens e os pequenos filhotes (cachorros em espanhol). Os filhotes são lindos e desengonçados tanto na terra quanto na água, tomando vários “caldos”. Ficamos um bom tempo observando esta linda paisagem. Apesar do sol que aparece nas fotos sofremos com um vento constante e gelado.
Da Punta Norte descemos para a Caleta Valdés, um braço de terra que forma um canal de água salgada. Não se pode chegar à caleta mas sim observá-la da península. Fascina as cores do mar que na caleta possui um azul claro e depois do braço de areia volta ao mesmo e intenso azul marinho. Neste ponto encontramos alguns pinguins, uma raposa e uma família de elefantes marinhos. Os elefantes na verdade são grandes focas, possuem um corpo comprido, grande e pesado, um macho adulto pode chegar aos 6,5 metros de comprimento e 4 mil kg. O macho é bem maior do que a fêmea e possui uma espécie de focinho alongado que lembra uma tromba. No verão estão em época de reprodução e também ficam na areia, apesar de passarem 80% de suas vidas na água.
Na península praticamente não há asfalto e sim as famosas estradas de rípio, uma espécie de cascalho com pedras arredondadas de diversos tamanhos. Ao dirigir no trilho formado pelos carros temos boa estabilidade, mas qualquer saída deste trilho o carro já fica bem difícil de controlar. Recomenda-se andar bem devagar neste tipo de piso, pois é muito difícil frear e muito fácil sair da pista. Mesmo assim muitos argentinos malucos passam no pau a todo momento. Além disso, há sempre o risco de voar uma das pedras e quebrar um pára brisa ou um farol. Por isso, ao cruzar com outros veículos, ao ser ultrapassado e principalmente ao ultrapassar, deve-se triplicar o cuidado e reduzir a velocidade. Hoje rodamos 202 km no rípio.
Voltamos à “entrada” da península onde fica a vila de Puerto Pirâmides, um lugar bem simples onde vemos ossos de baleias decorando muitas entradas de estabelecimentos. Temos a impressão de estar numa cidade fantasma no meio do deserto. E é quase isso mesmo.
Jantamos no restaurante La Estación, um ponto de encontro da cidade com menu bem variado e ótima comida. Vamos dormir cedo depois de mais um dia maravilhoso. Vejam as fotos!
Beijos,
PC e Marina
16/02/10 – TER: 213 KM – PUERTO PIRÂMIDES > GAIMAN E TRELEW
Finalmente voltamos a dirigir em direção ao sul. Atravessamos de volta pelo ístimo da península ao continente e viramos à esquerda na Ruta 3. Passamos pela entrada de Puerto Madryn e tocamos para Trelew, a maior cidade destas bandas. Em Trelew está o Museu Paleontológico Egidio Feruglio (MEF). Egidio Feruglio foi um geólogo italiano contratado pela YPF no início do século XX para comandar as explorações de petróleo na Patagônia. De tanto realizar expedições com fins comercias acabou descobrindo inúmeros fósseis de dinossauros que habitaram esta região há milhões de anos. O museu é muito bem feito e inclusive mostra fósseis descobertos no Brasil. Vale a visita e os $ 28 pesos de entrada. Um dos fósseis mais incríveis são do Argentinossauro, um dinossauro considerado um dos maiores seres vivos que já habitaram o planeta Terra. Mesmo incompleto dá pra ter uma idéia de seu tamanho assustador: 35 metros de comprimento, 15 metros de altura e 100 toneladas!
Depois do almoço fomos para Gaiman, um pedacinho do País de Gales aqui na América do Sul. Toda a região de Trelew foi colonizada por Galeses no início do século XIX. A cidade ainda guarda preciosidades como a primeira casa da cidade e a primeira escola primária da Patagônia. Diferente de Puerto Madryn e Trelew, Gaiman tem muitas árvores e jardins com flores. Uma igreja anglicana do início do século ainda é ativa na cidade, fomos até lá e conhecemos um simpático padre Galês que está aqui fazendo um ano de “intercâmbio”.
A maior tradição daqui, contudo são as casas de chá. Há várias delas espalhadas pela cidade. Fomos à Ty Te Caerdydd, local visitado em 1995 pela Lady Diana Francis Spencer, a Princesa de Gales. Esta casa é um lindo lugar com jardins, fontes e um bule gigante na entrada. Serve um tradicional chá e boa comida em grande quantidade, levamos o restante pra comer amanhã no caminho até a pinguinera de Punta Tombos.
Até lá,
PC e Marina
17/02/10 – QUA: 789 KM – TRELEW > PUNTA TOMBOS > PUERTO DESEADO
Chove e faz frio. Coloco as malas no carro e fico com as costas molhadas. Saímos em direção a Punta Tombos, um braço do continente a quase 100 km ao sul de Trelew que abriga uma enorme colônia de pinguins de magalhães nos meses de setembro a abril (período em que são colocados os ovos e nascem os “pichones” até que eles aprendam a nadar). No inverno eles migram para o sul do Brasil permanecendo cerca de 4 meses na água.
Vamos bem devagar na estrada e não para de chover. Os últimos 22 km são de terra. Encontramos um lamaçal digno de rally. Vamos superando a lama pouco a pouco, atravessando grandes poças e o carro vai firme. Quase chegando na pinguinera encontramos um carro atolado em uma das poças e alguns carros em volta tentando rebocá-lo. O guarda parques diz que podemos tentar mas que mais adiante estava pior. Vimos um Scenic passando pelo lado mais raso da poça e foi embora. Era o que precisávamos, uma cobaia na nossa frente. Fizemos a mesma coisa e continuamos pela estrada esperando que não piorasse. Já havíamos feito um bom desvio no caminho só para ver os pinguins e seria muito frustrante não chegar até o fim. Vamos patinando nas subidas, fazendo curvas de lado, jogando barro por todo o lado inclusive em cima da Eco. Eu estou adorando, a Marina está apreensiva. Enfim chegamos. Pegamos os casacos corta-vento e impermeáveis. Por sorte, bem nessa hora pára de chover, mas o vento continua forte.
O passeio nesta colônia de pinguins dura mais de 1 hora. Vamos andando por um caminho delimitado aos visitantes no mesmo nível da praia e os pinguins cruzam à nossa frente o tempo todo. Que criaturas lindas e simpáticas, não estão nem aí para a nossa presença.
No caminho de volta subestimamos a lama já superada na ida. Nos distraímos comendo lanches no carro e pimba: ficamos atolados numa argila super escorregadia. Descemos do carro e começamos a colocar pequenas pedras atrás dos pneus, limpamos o barro dos sulcos e… nada! Jogamos mais pedras fazendo um trilho e fomos aos poucos desatolando. Depois de algumas tentativas estávamos imundos e o carro desatolado. Demos ré, pegamos embalo, jogamos lama até o capô e conseguimos passar. Que falta faz um 4×4. Daí pra frente não vacilamos mais e chegamos de volta à Ruta 3. A ideia inicial era descer pela Ruta 1 e conhecer uma outra pinguinera menos badalada que se chama Cabo dos Bahias. Mas devido ao mau tempo e à perda de tempo com o atolamento resolvemos tocar direto para Puerto Deseado. Uma boa puxada de mais de 500 km desviando um pouco da Ruta 3. No caminho passamos por Comodoro Rivaldalvia e Caleta Olivia. Um pouco antes de Comodoro a paisagem finalmente começa a mudar com o aparecimento de algumas serras que ajudam a distrair o motorista. A vegetação continua semi-árida, bem rasteira. Um pouco antes de Caleta Olivia um caminhão no sentido oposto faz uma curva bem rápida jogando pedras em cima da gente. Tóc! Ganhei um pequeno trinco redondo no pára brisa, assim de graça. Bora pra frente.
Chegamos em Puerto Deseado já passa das 21:30h e está noite. É a primeira vez que chegamos em uma cidade no escuro. O GPS nos mandou pegar uma via de acesso que ainda está em construção. Que medo: dirigir no total escuro por uma estrada de terra sem placas, com poças de água e lama pelo caminho. Aquilo não podia estar correto. Voltamos para a estrada e resolvemos pegar um outro acesso que estava no mapa. Deu certo. Geralmente o GPS nos ajuda bastante, mas não é a primeira vez que nos coloca em uma roubada. Por isso mapas e bússola não podem faltar na lista de viagem. Depois de muito rodar nesta cidade fria e deserta achamos um hotel. O recepcionista nos olha com uma cara bem estranha. Pudera, estamos sujos de barro até no cabelo! Um banho merecido e cama.
Amanhã tem mais.
Abs,
PC e Marina
18/02/10 – QUI: 19 KM – PASSEIOS EM PUERTO DESEADO
Hoje vamos ficar em Puerto Deseado. Desviamos 117 km da Ruta 3 para dormir duas noites nesta pequena cidade portuária.
O Rio Deseado corta todo o norte da Província de Santa Cruz e termina nesta cidade costeira. Neste ponto na verdade o oceano entra por cerca de 30 km para dentro do continente. Esta parte do rio é chamada pelos argentinos de ría. Pois bem, hoje vamos fazer um passeio de barco inflável na Ría Deseado. Devido ao encontro das águas doce e salgada esta região possui uma rica fauna e a cor da ría varia de azul escuro a um verde água muito bonito. Faz sol, mas não o suficiente para nos esquentar do frio e do vento. O passeio dura mais de 3 horas. Observamos 3 espécies de cormorões e diversas de gaivotas. Fazemos uma parada e desembarcamos na ilha dos pássaros onde está uma colônia de pinguins de magalhães que habita a região neste período do ano (comentado ontem). É uma experiência mais íntima do que Punta Tombos. Chegamos muito perto dos pinguins, que nem se incomodam com a nossa presença. Mate para esquentar o corpo e o espírito (tão quente que até queimo a língua) e umas galetitas de goiaba deliciosas.
Voltamos ao barco e presenciamos o mais espetacular encontro da viagem até agora: 6 toninhas overas (de commerson) nas cores branca e preta, parecem mini orcas. Elas são curiosas e chegam bem perto do barco. A Marina fica maluca de felicidade e quase dá um beijo nelas. É fascinante observar estes animais livres.
De volta à cidade almoçamos e fomos ao centro de informações turísticas. Eu quero muito ir ao Cabo Blanco, um farol belíssimo que fica a uns 65 km daqui. Mas devido às chuvas do dia anterior somos recomendados a não tentar estando num veículo 4×2. O jeito então é dar uma passeada pela cidade mesmo. Vamos conhecer a antiga estação de trem e alguns mirantes muito bonitos. Na estação muitas fotos e histórias de um período importante no uso das ferrovias como transporte de cargas e passageiros. Aqui aconteceu o mesmo que no Brasil, substituíram todo o modelo de transporte ferroviário para o rodoviário.
Começa a chuviscar e o frio aumenta. Desistimos de jantar fora. Compramos pães, queijos e vinho e vamos ficar aqui no hotel mesmo.
Hasta la vista,
PC e Marina
19/02/10 – Sex: 897 km – Puerto Deseado > Cerro Sombrero
Dia longo de muita estrada e poucos atrativos. Voltamos à Ruta 3 e descemos muitos graus de latitude. Uma rápida parada em Puerto San Julián para abastecimento do carro, dos tripulantes, e toca pro sul novamente. Nosso objetivo hoje é chegar à Terra do Fogo. Aqui vai um comentário sobre os frentistas aqui da Argentina. Os caras não fazem a menor questão de atender bem, são descuidados (sempre deixam pingar gasolina na lataria do carro) e por duas vezes tentaram me engabelar no troco me dando 10 pesos a menos. Se você pede pra limpar a gasolina pingada eles te olham como se os pingos fossem a coisa mais normal do mundo e você um turista fresco. A gasolina é nota 10, bom rendimento e qualidade, os frentistas nota zero.
Alguns quilômetros depois de San Julián passamos pela cidade Comandante Luis Piedra Buena. Neste ponto temos uma visão privilegiada do Rio Santa Cruz cruzando a cidade num tom de verde impressionante. Este rio tem a importante tarefa de trazer toda a água do Lago Argentino, que fica no extremo oeste do país perto da Cordilheira dos Andes e às margens da cidade de El Calafate, para o Oceano Atlântico. O Lago Argentino recebe água do degelo de 13 glaciares e isso confere ao lago e consequentemente ao Rio Santa Cruz um tom de verde difícil de descrever e de mostrar por fotos. Ao lado do rio alguns flamingos, tão rosas que parecem ter sido pintados à mão. E foram mesmo, pelas mãos de Deus.
Uma parada em Rio Gallegos para abastecimento e vamos embora. Já estamos quase na fronteira com o Chile. Agora vem uma parte bem chata viagem. Os argentinos não conseguem circular por vias terrestres continuamente pelo seu próprio território. Somos obrigados a entrar em território Chileno, fazer aduana, polícia federal, inspeção do carro, preencher uns 8 formulários (a cada guichê aparece um formulário novo ao invés de solicitarem todos de uma vez). Gastamos uma hora nesse trâmite todo, isso porque a fila estava pequena. Ao entrar no Chile um dos guardas que revista o carro (de qualquer jeito por sinal) foi super atencioso e nos deu algumas dicas sobre o caminho.
Mais 53 km e chegamos ao Estreito de Magalhães. Que vento! Que frio! Neste ponto de travessia chamado Primeira Angostura o estreito é bem fechado e a travessia dura de 20 a 40 minutos de acordo com o vento, a correnteza, a ondulação da água e a maré. Demos sorte segundo o operador da empresa que faz a travessia, é um dia calmo. Imagino como seja um dia agitado… Na travessia vemos mais toninhas de commerson!
Estamos na Terra do Fogo! É emocionante. A última porção de terra a ser habitada do planeta, há apenas 7.000 anos. As tribos que viviam aqui atravessaram por onde hoje é o estreito, na época o nível dos mares era mais baixo e podia-se atravessar a pé, depois ficaram praticamente isoladas dos outros povos do continente. Por qui viviam 4 tribos: Selk`nam, Haush, Yamanás e Alacalufes. Destaque para os Selk`nam que eram em maior número, mais agressivos e ótimos caçadores; e para os Yamanás, nômades que habitavam a parte sul da ilha grande e demais ilhas do Canal Beagle, eram pescadores e não usavam roupas! Protegiam-se do frio passando óleo de leão marinho no corpo.
Descemos por 40 km para enfim chegar à pequena vila de Cerro Sombrero, no Chile. Acho que é a única vila que oferece um hotel descente num raio de 250 km. Jantamos um merecido bife de lomo e sopa de aspargos. Espetacular!
Estamos a apenas 420 km de Ushuaia. Tá quase!
Bjs,
PC e Marina
20/02/10 – SAB: 420 KM (127 KM DE RÍPIO) – CERRO SOMBRERO > USHUAIA
Finalmente um dia com mais céu azul do que cinza. Saímos de Cerro Sombrero e já voltamos a rodar no rípio. O recepcionista do hotel nos indica uma rota alternativa à internacional, com menos tráfego de caminhões, o que é sempre bom evitar no rípio. A dica parece boa e vamos bem. No caminho passamos por diversas estâncias patagônicas, as primeiras propriedades da Terra do Fogo. Elas se estabeleceram aqui há cerca de 100 anos numa época de criação de ovinos e bovinos para produção de carne, lã e leite.
Hora ou outra somos ultrapassados por algum argentino maluco que não tem amor ao carro (e ao bolso). Após 127 km de rípio chegamos à fronteira com a Argentina. Filas, espera, burocracia, tudo de novo. Agora estamos perto.
Na medida em que vamos descendo pela ilha da Terra do Fogo grandes árvores e florestas voltam a aparecer no cenário. Um colírio para os olhos de quem só vê semi-árido há mais de 2.000 km. Aos poucos os últimos picos da Cordilheira dos Andes vão aparecendo e o cenário fica mais dramático! Grandes montanhas com os cumes cobertos por neve, florestas e grandes lagos. Entramos na pequena cidade de Tolhuin para almoçar na famosa padaria La Unión. Não sei porque, mas esta padaria atrai muitos famosos da Argentina que tiram fotos no local, colocam-nas em quadros e espalham por toda a padaria. Comemos ótimas empanadas e as melhores galetitas de toda a viagem até agora!
Saímos da padaria e descemos 500 metros na rua para dar de cara com o Lago Fagnano, um enorme lago com 100 km de largura que termina lá depois da fronteira com o Chile. Daqui não dá para ver o fim dele. Paramos o carro na praia de pedras, colocamos uma toalha e ficamos ali, deitados na beira do lago, escutando o barulho das ondas. Quase não ventava e o sol que fazia era suficiente para nos aquecer sem esquentar demais. Ficamos de bobeira, jogando pedras no lago, conversando e curtindo alguns momentos daqueles que nunca se apagam da memória.
Um pouco mais adiante e a estrada passa por uma pequena serra, pois devemos atravessar uma cadeia de montanhas para chegar à cidade de Ushuaia que fica entre esta cadeia e o Canal Beagle. A paisagem é deslumbrante, mas vamos ficar devendo as fotos pois a câmera está com um defeito.
Sábado, 20/02/10, 19h. Após 6.322 km, 582 litros de gasolina, 13 dias de viagem e 814 fotos: chegamos em Ushuaia! Estamos na latitude sul 54 º5. Abaixo de nós apenas alguns gatos pingados na Ilha Navarino e as bases de exploração na Antártica que fica a apenas 1.000 km daqui.
Vamos comemorar com o vinho que compramos em Puerto Deseado!
Beijos e abraços,
PC e Marina
21/02/10 – DOM: 61 KM – 1º DIA DE PASSEIOS EM USHUAIA
Estamos hospedados no meio de um bosque de lengas. Nossa romântica cabana de madeira é um duplex com sala de estar, mesa para refeições, cozinha, aquecedor, banheiro e no andar de cima a cama com um pequeno closet e um balcão que dá para o andar de baixo. No teto o revestimento de madeira acompanha a forma do telhado. Perfeito!
Acordamos sem pressa. Tomamos café da manhã na própria cabana, tudo é deixado pelo pessoal da limpeza no dia anterior, e saímos para conhecer a cidade. Faz frio mas nem tanto, 10ºC. Céu com muitas nuvens e às vezes o sol aparece, típico de Ushuaia.
Vamos direto para a Av. San Martín, a principal de Ushuaia com diversas lojas e restaurantes. No centro de informações turísticas pegamos os horários de funcionamento dos museus, parques, passeios de barco etc.
Decidimos conhecer neste primeiro dia o Parque Nacional Terra do Fogo. Para chegar ao parque temos que atravessar a cidade e pegar novamente a Ruta 3 que continua por mais 20 km de terra até a Bahia Lapataia. Neste ponto finalmente termina a Ruta 3, a exatos 3.079 km de Buenos Aires. Fizemos pequenas caminhadas neste lugar maravilhoso, vimos lagos, rios, montanhas com neve, muitas aves e coelhos. É lindo.
No caminho de volta paramos para conhecer uma castoreira, que é uma espécie de represa feita com galhos de árvores construída pelos castores. Esses animais são engenheiros de primeira categoria, derrubam diversas árvores e constroem diques para abrigar seus ninhos, fazendo com que o rio tenha altos desníveis que podem chegar a mais de um metro. Na verdade os castores são uma praga na região, devastam preciosos bosques às margens dos riachos. Introduzidos na Terra do Fogo em 1946 com o objetivo de extrair suas peles (o que nunca de fato aconteceu), os castores passaram a se reproduzir livremente, sem predadores naturais, totalmente adaptados ao ecossistema fueguino. Hoje os castores ocupam quase todo o território e sua população é controlada pelos biólogos do parque.
Voltamos à cidade e subimos até a base do Glaciar Martial para tomar o teleférico e fazer um trekking até o início do gelo. Mas o teleférico fecha cedo e não teríamos tempo de voltar. O jeito é entrar na casa de chá La Cabaña, que fica ao lado do teleférico. Eu peço um chá de Peach Rose e um alfajor de doce de leite com chocolate. A Marina um chocolate quente e cookies de aveia com gotas de chocolate. Muy preciosos! Gostamos tanto deste lugar que voltamos à noite para comer o fondue de queijo com pães e legumes e vinho tinto argentino. Nham, nham, nham.
Beijos e abraços,
PC e Marina
22/02/10 – SEG: 24 KM – 2º DIA DE PASSEIOS EM USHUAIA
Mais uma noite em nossa deliciosa cabana. Já queremos morar nela pra sempre. O café da manhã deixado pelas moças tem suco de laranja, café, leite, medialunas, requeijão, geléias e doce de leite argentino, claro!
Hoje sim vamos ao Glaciar Martial. As cabanas ficam na rua que leva à base do teleférico. Em 5 minutos já estamos sentados na cadeira a 8 metros do chão, passando um frio absurdo. Saco da mochila as luvas e o gorro. Pra ajudar começa a pingar. Ao descer do teleférico o jeito é começar a andar logo. Temos um desnível de quase 300 metros para subir em 1,5 km de extensão. No início é mais tranquilo depois a inclinação vai piorando, chega aos 40º segundo o folheto do teleférico. Logo já estamos tirando luvas, gorro e abrindo os casacos. Parou de garoar. Vamos subindo ao lado de um riacho que desce da geleira e que usamos para tomar água fresquinha. 1 hora depois chegamos quase no topo do glaciar, estamos caminhando sobre a neve e até começa a nevar! A vista da cidade, do canal Beagle e das montanhas em volta de nós é maravilhosa.
Descemos para a cidade e caminhamos pela San Martin. Ushuaia é um grande free shop ao ar livre, alguns impostos foram banidos daqui na década de 70, principalmente os industriais, para estimular o povoamento da Terra do Fogo. Mesmo assim a cidade tem hoje 70 mil habitantes. Às vezes vemos um crescimento desordenado nas montanhas, algumas favelas e desmatamento de florestas nativas. Pois é tem que falar tudo, as coisas boas e as ruins.
Entramos em várias lojas e a Marina faz a festa com os perfumes e cosméticos. Eu não encontrei o relógio que procuro para usar na corrida.
À noite decidimos não jantar na cidade. Fizemos um queijo e vinho em nossa cabana!
Até amanhã,
PC e Marina
23/02/10 – TER: 27 KM – 3º DIA EM USHUAIA
Faz sol, o céu está azul, venta bastante e a temperatura é de 11ºC. Demoramos para sair da cabana. Hoje é um dia triste pois a Marina volta ao Brasil e eu fico mais alguns dias aqui em Ushuaia para trabalhar. Vamos almoçar no centro e ficamos tranquilos, sem passeios radicais hoje.
Como passa rápido! Viajei 6 dias sozinho até encontrá-la em Trelew. Ficamos 10 dias juntos passeando por todos estes lugares que vocês viram, foram momentos inesquecíveis. De repente é difícil saber que vou ter que me adaptar à rotina solitária novamente: carro, hotéis, restaurantes e passeios.
24/02/10 A 27/02/10 – QUA A SÁB: 88 KM
Quatro dias em Ushuaia conhecendo muitos hotéis e operadoras de turismo. Nestes dias não fiz outra coisa senão trabalhar. Esse é um dos objetivos da minha viajem. Total acumulado nestes dias: 88 km.
No sábado à tarde fui convidado para fazer um passeio de barco no Canal Beagle. Foi ótimo, pode-se ver a cidade de longe e os Andes atrás. No inverno deve ser ainda mais bonito com os cumes brancos. O barco passa perto do Monte Olívia, que tem o formato de uma pirâmide, e em algumas ilhas com leões marinhos, cormorões e gaivotins, além do famoso farol de Ushuaia. Antes de voltar paramos em uma ilha para uma pequena caminhada. Ao descer do barco impressiona como a água do canal é cristalina.
À noite participei de uma pizzada virtual com os meus amigos de São Paulo via Skype. A Marina levou o micro dela e eu fiquei “sentado” na cabeceira da mesa. Foi muito divertido e dei muitas risadas.
PC
28/02/10 – DOM: 189 KM – USHUAIA > ESTÂNCIA HARBERTON > TOLHUIN
Acordo tarde com o dono da pousada batendo na porta. São 11h e o chek-out era às 10h. A pizzada virtual de ontem foi até altas horas, estou pregado. Além do que hoje é domingo! Levanto, pego as minhas coisas e vou almoçar.
Hoje começo a subir em latitude. Saio de Ushuaia com muito vento, a sensação térmica lá embaixo e um tempo que muda a cada 5 minutos entre sol e chuva.
Volto a subir pela Ruta 3. Após 40 km faço um desvio para conhecer a Estância Harberton, que já estava planejado. Esta foi a primeira estância da Terra do Fogo, fundada pelo padre anglicano Thomas Bridges. Após dedicar quase 40 anos de sua vida às missões anglicanas na Terra do Fogo o governo argentino lhe concede 20 hectares de terra no local que ele escolher. Bridges conhecia em detalhes as baías do Beagle e escolheu uma área muito bonita e abrigada do vento, tão forte e constante que no caminho vejo as famosas árvores que crescem tortas.
Atualmente a estância não está mais em funcionamento, se tornou economicamente inviável devido ao terreno acidentado e à localização. Mesmo assim é uma viagem no tempo. Não há outros turistas e a simpática guia Vanina faz um tour só para mim e para o cachorro Darwin, que nos acompanha durante todo percurso. Primeiro visitamos um pequeno cemitério onde estão enterrados alguns nativos Yámanas que trabalharam na estância, além de membros das famílias Bridges e Lawrence. Em seguida entramos em um bosque para aprender um pouco mais sobre a espécie Nothofagus e também ver duas réplicas de como eram as cabanas montadas pelos índios Yámanas.
De volta à estância vou conhecer o local onde eram tosadas as ovelhas. Apesar de inativa e algumas teias de aranha, tudo está do jeito que era há 30 anos: máquinas diversas à vapor e à diesel , correias, baias das ovelhas, tosadores, prensas de lã… incrível. Carpintaria onde eram construídos os barcos (a estrada de terra que leva à estância foi aberta apenas nos anos 70), sede principal e jardim com muitas e muitas flores, quase todas trazidas da Inglaterra.
Saindo da Estância há um Museu Marítimo. A atual dona da estância (bisneta de Thomas Bridges) é bióloga matinha e se dedica ao estudo de baleias, golfinhos, toninhas, leões marinhos, focas, pinguins, cormorões etc. Neste lugar aprendi que existe um leopardo marinho, muito agressivo segundo a bióloga Ana, que também fez um tour particular para mim. Valeu muito a pena, o museu exibe diversos esqueletos destes animais e muitos ossos de baleias, entre eles um enorme crânio de cachalote! Minha mãe ia pirar neste lugar.
Retorno à Ruta 3 e atravesso de volta os Andes para a planície fueguina. Após o Paso Garibaldi já se pode avistar novamente os lagos escondido e fagnano. O sol está se pondo e no horizonte vejo subir uma lua cheia espetacular ainda meio alaranjada. Pena que a foto não mostra as cores reais. Nessa hora dá vontade de ter aquelas câmeras de japonês.
Resolvo parar em Tolhuin, a cidade de frente para o lago fagnano, e me hospedar na Hosteria Kaiken. Janto e vou dormir. Faz 5 ºC, a mínima até agora.
Até amanhã,
PC
01/03/10 – SEG: 528 KM (118 KM DE RÍPIO) – TOLHUIN > PUNTA ARENAS
De novo perdi a hora e o café da manhã. Tá difícil retomar o ritmo. O lado bom é que eu troquei o café da hosteria pelo da padaria La Unión, a mesma que passei com a Marina na ida. Comi as mesmas empanadas deliciosas e comprei galetitas para levar e comer no caminho. Foi o que me salvou na balsa do estreito de Magalhães, várias horas depois.
Saio de Tolhuin e continuo subindo pela Ruta 3 até a fronteira com o Chile em San Sebastián. Aos poucos as florestas vão sumindo e a estepe volta a predominar na paisagem. Meu plano era encher o tanque na fronteira pois a gasolina na Argentina custa metade do preço. Não deu… além de o posto estar fechado por falta de gasolina eu ainda tenho 118 km de rípio pela frente até chegar em Cerro Sombrero e 1/4 de tanque! Se eu não me perder vai dar. Passo pela aduana com bem mais facilidade do que na ida. A desorganização das autoridades tanto argentinas quanto chilenas é a mesma, mas há bem menos pessoas atravessando pois hoje é segunda.
O rípio está péssimo e muito perigoso. A cada veículo que passa no sentido oposto é uma chuva de pedras. Não fosse os meus dedos no pára-brisa certeza que já teria ganho mais um trinco. A pista irregular faz o carro e tudo que está dentro pular feito pipoca, tenho que ir a menos de 50 km/h. Outro perigo são as altas valetas (desníveis) que ficam ao lado da pista de rípio em alguns pontos. Se alguém escorregar e cair nelas é capotagem na certa. O jeito é ir bem tranquilo curtindo a paisagem da Terra do Fogo. Muitos animais cruzando a pista: raposas, guanacos, cavalos e ovelhas. As estâncias também são um charme a parte, geralmente uma série de casas (unidades da estância) pintadas da mesma cor e com o telhado vermelho ou azul.
A travessia do Estreito de Magalhães é mais tranquila hoje, venta um pouco menos. São 19h e estou morrendo de fome. As galetitas da La Unión são a salvação. No posto que eu parei em Cerro Sombrero (com a luz da reserva acesa há vários quilômetros) não tinha nem uma água pra vender e ainda só consegui colocar 18 litros de gasolina pois não aceitavam cartão de crédito e nenhuma moeda estrangeira. Não tenho outra escolha, o tanque está zerado. No fim das contas pago um câmbio bem injusto e consigo 18 litros a 100 pesos! O suficiente para chegar em Punta Arenas no bafo novamente.
Estou de volta ao continente, a terra do fogo já ficou para trás. Com 15 minutos de estrada vejo um senhor pedindo carona. Não sei o que me deu na hora mas resolvi parar para ajudar o cidadão. O coitado estava tentando chegar em Punta Arenas para acompanhar o filho de 13 anos que precisava de uma cirurgia no apêndice urgente. No caminho ele recebe uma ligação que o filho já havia sido operado e estava tudo bem. Ufa. Nessas horas eu me pergunto, será que o fato de eu ter acordado mais tarde nesta manhã não foi simplesmente porque tinha que ser assim? Bom, eu acredito muito nisso: nós sempre estamos no lugar certo, na hora certa. Se você pensa que está atrasado talvez seja porque Deus tenha outros planos para você, está te protegendo de algo ou fazendo com que você participe de uma sequência de eventos num universo totalmente conectado.
Chego tarde em Punta Arenas, não dá pra ter uma idéia de como é a cidade. Consigo um lugar barato com restaurante e internet. Vou ficar por aqui mesmo.
Até amanhã,
PC
02/03/10 – TER: 33 KM – PUNTA ARENAS
Punta Arenas é a maior cidade e capital da região XII. O Chile não é dividido em estados mas sim em 12 regiões, o que no fundo são a mesma coisa. Está localizada na Península Brunswick às margens do Estreito de Magalhães e foi de extrema importância nas rotas comerciais antes da abertura do Canal do Panamá. A cidade é quase toda horizontal com poucos prédios. Vale tomar um banho de sol em um dos bancos da praça Muñoz Gamero na região central cidade. A praça exibe uma estátua do Fernão de Magalhães (Hernando de Magallanes) além de muitas árvores, ‘peatones’, barracas de artesanato e um vira-lata com cara de rusky.
Vou conhecer alguns hotéis, almoço, vejo mais hotéis… No fim da tarde me dou o direito de conhecer zona franca de Punta Arenas, que no fim das contas é melhor do que a de Ushuaia, tanto em preço quanto em variedade. Achei o relógio de corrida que eu procuro e de quebra ainda comprei um Gold Label para tomar com gelo de glaciar em Torres del Paine, Calafate e Chaltén.
Estou num hotel excelente, Cabo de Hornos, o melhor da cidade. Espero mandar muitos amigos e clientes para cá.
PC
03/03/10 – QUA: 366 KM (136 KM DE RÍPIO) – PUNTA ARENAS > PUERTO NATALES
Dia limpo, faz sol e pela primeira vez em muitos dias giro o botão do ar-condicionado para a posição fria. Ontem o Gonzalo (dono da Chile Nativo) recomendou que eu parasse em vários lugares no caminho de Punta Arenas para Puerto Natales, isso fez com que uma viagem de 250 km em 3 horas passar para 366 km com muito rípio e um dia inteiro.
Antes de sair uma última parada na zona franca. Compro 4 litros de óleo sintético para o carro que será trocado em breve e mais 4 para a próxima troca. Os 8 litros saíram por menos de R$ 75. É muito barato!
Começo a viagem beirando o estreito de magalhães e logo faço um desvio de 36 km de rípio bom para chegar à Pinguinera Otway banhada pelas águas do Pacífico. É bonito sem dúvida, mas para quem esteve em uma ilha bem ao lado deles como em Puerto Deseado, esse lugar não vale a pena. O curioso é que em algum ponto desta estrada no meio do nada há um museu de carros antigos! Pois é, eu também não acreditei até entrar no galpão e ver com meus próprios olhos 33 modelos que vão desde 1928 até as barcas da década de 70. O dono é um senhor que mora em Punta Arenas e trabalha com restauração de carros antigos, senhor Antonio Ruiz.
Em seguida faço um desvio para rodar paralelamente à Ruta 9 por uma via de rípio de
64 km que passa pela Estância Rio Verde. Esse sim valeu a pena. O caminho é lindo e vai contornando os canais Otway e Skyring. É uma região muito rica e produtiva, pela primeira vez vejo grandes quantidades de vacas, ovelhas, cavalos, alguns guanacos, muitas aves de rapina (entre elas um falconídeo Carcará comento restos de um tatu atropelado), lebres, uma coruja, emas e pela primeira vez nesta viagem um imponente condor andino. Quase um simba safári.
Quando estou a 80 km de Puerto Natales e a 230 km de Torres del Paine aparece lá no fim do horizonte o enorme maciço Paine. Que visão espetacular! A mais de 200 km pode-se ver esta grande formação de granito reinando majestosamente na paisagem. Fico maluco e tiro várias fotos.
A última parada foi no restaurante, cafeteria e hosteria Rubens. Um lugar de ótimo café, chocolate quente, tostadas, daqueles que tudo que você pedir vem com cara boa.
Chego em Puerto Natales sob 7,5 ºC. Estou instalado no escritório da Chile Nativo. Janto pizza pela primeira vez na viagem no restaurante Mesita Grande. Ótima escolha! Não deixou nada a desejar para as pizzas do Brasil.
Tiro todas as coisas do carro para dar uma organizada. Tarefa cada vez mais difícil principalmente depois da zona franca de Punta Arenas. Banho e cama. Amanhã tem mais.
PC
05/03/10 – SEX: 207 KM (186 KM DE RÍPIO) – PUERTO NATALES > TORRES DEL PAINE
Dia caótico. Sabe aqueles dias em que tudo dá errado? Foi este. Saí de Natales e peguei um caminho errado, de rípio, sendo que havia um de asfalto onde eu deveria parar em algumas estâncias para conhecê-las. Quando me dei conta já era tarde e aí o melhor foi continuar onde eu estava mesmo, comendo poeira. Depois eu perdi a entrada do Parque Torres del Paine e fui parar na Estância Cerro Guido. De lá se tem uma vista privilegiada das Torres, mas o maciço inteiro estava encoberto, não vi quase nada. Voltei quase 15 km para pegar o caminho correto. Fiz um desvio para conhecer a Laguna Azul, um maravilhoso lago azul turquesa com patos, flamingos, quero-quero e outras aves. Ao deixar a Laguna Azul comecei a ficar totalmente enjoado, acho que o lanche do almoço não me caiu bem, junto com o chacoalho da estrada de rípio e infinitas curvas. Nessa hora tive que manter muito o foco e segui cambaleando para o camping Las Torres chegando quase ao escurecer. Armei a barraca sem ver direito o lugar, esquentei minha comida pronta e fui dormir. Bom, tentei dormir pois o terreno estava tão inclinado que o sangue subia para a cabeça e o sleeping bag escorregava no colchonete. A barraca de montanha tem um formato em trapézio que não me deixava inverter a posição. A barriga começou a reclamar outra vez e os enjôos voltaram. E agora? Vou iniciar uma caminhada de 4 dias e não posso passar a noite em claro. Deixei a barraca e fui para o refúgio las Torres, estava fechado. Não tive outra escolha senão ir para o Hotel Las Torres. Lá me deram remédio, comida, um quarto com cama, travesseiro e aquecimento. Foi o que me salvou. O preço deixa pra lá. O importante era estar bem descansado para iniciar o W no dia seguinte.
O Parque Nacional Torres del Paine é famoso pelos mais de 200 km de trilhas entre vales, lagos, rios, glaciares e montanhas. A caminhada mais conhecida é o W: uma trilha que percorre os três principais vales do Maciço Paine, de forma que ao traçar o caminho percorrido pelos vales se assemelha à letra W (doble V, como dizem os Chilenos). Da esquerda para a direita os três vales do W são: Vale do Glaciar Grey, Vale do Francês e Vale do Rio Ascencio, este último que leva à base das três torres que dão nome ao parque: Torre Norte, Central e Sul: juntas formam as Torres del Paine. Nos próximos 4 dias vou fazer esta caminhada pelo circuito W, sendo um vale por dia, e no último apenas fecho o circuito.
06/03/10 – SÁB: 1º DIA DE CAMINHADA: BASE DAS TORRES – 18KM (IDA E VOLTA) – TEMPO TOTAL 8º25’ – DESNÍVEL APROX: 780M.
A volta foi bem mais tranquila, praticamente só descida. Pernoite no Refúgio Torre Central, boa cama com travesseiro, coloquei o meu sleeping em cima do colchão e dormi feito uma pedra.
07/03/10 – DOM: 2º DIA DE CAMINHADA: GLACIAR GREY – 24KM (IDA E VOLTA) – TEMPO TOTAL 9º30’ – DESNÍVEL APROX: 200M.
Surgem as primeiras bolhas no pé (e olha que o meu boot já é velho de guerra) e os joelhos começam a reclamar: “ei, estou aqui, subindo e descendo sem parar”.
Fiz uma mochila somente com o necessário para os próximos 3 dias e 2 noites. Deixei meu carro no refúgio Torres e peguei uma carona com o Viti (guia da Chile Nativo) até Pudeto, um pequeno porto às margens do Lago Pehoé de onde sai o catamarã que nos leva ao Refúgio Paine Grande. Lá deixei a mochila grande e saí apenas com uma pequena mochila de ataque levando comida, um casaco impermeável, gorro e luvas.
Apesar do desnível máximo ser pequeno neste vale, você sobe e desce diversas vezes. Ao subir nos platôs de pedra venta muito forte o que te obriga a fazer diversas paradas para colocar mais camadas de roupa. Nas descidas e nas subidas dentro dos bosques tiro tudo de novo. E assim vai.
A sensação de caminhar no sentido de um glaciar é muito boa. Na metade do caminho já é possível ver o glaciar de longe. Depois a trilha entra bosque abaixo e a próxima aparição do Grey já é bem perto dele. Lindo, enorme e um azul que não dá para descrever. Almocei no Campamento Grey e ainda sobrou tempo para seguir 1,3 km no sentido do glaciar, para vê-lo ainda mais de perto. Inesquecível.
O duro é caminhar pelo mesmo caminho tudo volta. Pelo menos agora o vento está a seu favor, mas as rajadas são assustadoras. Algumas horas é preciso abaixar para não cair.
Pernoite no Refúgio Paine Grande. O maior do circuito, boas camas, roupa de cama e banheiro limpo. Esquentei o meu ‘ravioli con salsa’ pronto para comer, tomei uma cerveja com o Viti e fui pra cama com dor nos joelhos.
08/03/10 – SEG: 3º DIA DE CAMINHADA: VALE DO FRANCÊS – 21KM – TEMPO TOTAL 9º40’ – DESNÍVEL APROX: 600M.
Voltei ao Campamento Italiano para pegar a mochila grande e segui mais 5,5km até o Refúgio Los Cuernos. Trecho difícil pois ventava horrores, o lago Pehoé parecia um mar. O vento aumenta de intensidade em rajadas repentinas e numa dessas rajadas laterais, com o peso da mochila, tomei um belo tombo.
Cheguei só o pó. O Refúgio Los Cuernos oferece além dos quartos compartilhados algumas cabines privadas. E foi numa delas que eu dormi, olhando para a janela no teto, vendo as estrelas, após comer quase tudo o que me restava na mochila.
09/03/10 – TER: 4º DIA DE CAMINHADA: LOS CUERNOS ATÉ LAS TORRES – 11KM – TEMPO TOTAL 4º09’ – DESNÍVEL APROX: 170M.
Este trecho fecha o circuito W: os últimos 11km até o início da trilha que eu havia feito no primeiro dia. Não pensava em mais nada, só em chegar ao fim! Bolhas no pé, dor nas pernas, nos joelhos, nas costas, na bunda… a maior motivação era saber que estava acabando. Por sorte o vento estava bem calmo no período da manhã e o sol não era tão quente. Chegar ao ponto onde as trilhas se encontram é uma sensação maravilhosa. Ufa! Total caminhado em quatro dias: 74km!
Tomei banho no camping, fiz uns alongamentos, esquentei mais um risoto pronto e fui trabalhar. Pois é, ainda tenho que conhecer alguns hotéis hoje.
Hostería Las Torres > Hostería Pehoé – 36 km (todos de rípio).
À tarde começou o maior vendaval desde que eu cheguei aqui. Algumas vezes vinha tanta areia na pista de rípio que não era possível enxergar absolutamente nada, tive que parar o carro e esperar visibilidade outra vez. Num dos momentos de calmaria parei num mirante para ler uma placa que falava sobre a formação geológica do maciço e tirar algumas fotos. De repente uma rajada de vento começou a jogar areia nas minhas costas com uma força assustadora. Tive que dar a volta na placa e me esconder do vento e da areia. A placa balançava pra dedéu e parecia que ia decolar. Pela primeira vez senti medo. Fiquei ali quase um minuto esperando a tormenta a passar e voltei correndo pro carro, sem foto nem leitura.
Conheci a Hostería Pehoé e acabei dormindo por lá mesmo. Foi minha última noite no parque.
Abs,
PC
10/03/10 – QUA: 106 KM (89 KM DE RÍPIO) – TORRES DEL PAINE > PUERTO NATALES
Mais hotéis. Pra quem está com inveja e acha que a viagem é só de passeio, pode relaxar, estou trabalhando e muito! Fiquei alucinado com o Explora Patagônia, o primeiro da rede Explora. Isso é que é hotel! Para poucos…
No fim da tarde deixei o Parque Torres del Paine e voltei à Puerto Natales. A paisagem do maciço Paine ficando pequeno pelo retrovisor, numa estrada que contorna o Lago Toro, me obriga fazer várias paradas para fotos.
Em Natales encontrei o Gonzalo. Quase dois anos que não nos víamos. Fui recebido com um maravilhoso Chori-Pan (feito pelo Rafa) e cerveja Baguales, produzida aqui mesmo em Natales.
11/03/10 A 13/03/10 – QUI A SÁB – TRABALHANDO EM PUERTO NATALES – 17 KM
Recomendações: Mesita Grande (pizzaria); Asador Patagônio (cordeiro al palo); Baguales Pub (cerveja artesanal e lanches federales!); Patagonia Dulce (cafés e doces); Ñandú (livros, mapas e souvenirs); Afrigônia (restaurante top); El Living (vegetariano com lanches sofisticados); Chile Nativo (operadora de turismo) kkk.
PC
14/03/10 – DOM: 199 KM (120 KM DE RÍPIO) – PUERTO NATALES > ESTÂNCIAS PAINE
O despertador toca às 6:30h do domingo, ninguém merece… O Gonzalo vai pegar um ônibus para Punta Arenas e voltar a Santiago. Eu sigo de carro para o norte.
Mais um dia visitando hospedagens, desta vez as estâncias que ficam do lado de fora do Parque Torres del Paine. É uma mais linda que a outra, algumas mais rústicas outras mais sofisticadas, cada uma com o seu encanto.
Destaque para a Estância Cerro Guido que oferece hospedagem de excelente qualidade e ainda mantém em funcionamento toda a estrutura da época da Sociedade Exportadora: criação de ovelhas, gado, cavalos, horta, carpintaria, casa do ferreiro, casa de laticínios, escola para os filhos dos gaúchos, tudo operando normalmente.
No quesito beleza natural a Estância Lazo ganha disparado, com uma aconchegante hostería ao lado da laguna verde e a vista privilegiada do Maciço Paine.
Escrevo, contudo, da Estância Tercera Barranca, bom ponto de descanso no meio do nada. Indicado para quem prefere as cavalgadas pelos imensos pampas desta região. Oferece apenas 7 quartos simples em estilo rústico. No jantar me serviram salada com palta (pequeno abacate que eles comem com sal, muito bom), alface e cenoura, filé de merluza com cebolas e pimentão, batatas cozidas, e de sobremesa uma espécie de pudim com calda de vinho tinto. Tudo cuidadosamente preparado pela chefa de cozinha Carmen, uma senhora simples que está sempre sorrindo. Por aqui não tem internet e o gerador elétrico é desligado às 11:30h.
15/03/10 – SEG: 263 KM (120 KM DE RÍPIO) – ESTÂNCIA TERCERA BARRANCA > EL CALAFATE + TRAVESSIA RIO LAS CHINAS
Ao sair da Tercera Barranca tenho que pegar um caminho diferente, bem mais curto, para ir direto à Cerro Castillo. O problema é que neste caminho tenho que atravessar o Rio Las Chinas, num lugar que não existe ponte. A gerente da estância olha para o meu carro e pela altura diz que dá pra passar. Bom, vinte e cinco minutos depois de sair da estância por este caminho mais curto, chego ao rio. Olho, olho e fico ali parado. O rio tem uns 20 metros de largura, leito de pedras e uma correnteza considerável. Essas águas de degelo carregam muitos sedimentos, o que dá o tom verde meio azulado da água do parque, e por este motivo não dá para enxergar a profundidade do rio. Levo uns 5 minutos pra tomar uma decisão. Estou me borrando, não há uma alma sequer num raio de quilômetros. As marcas de pneus na margem são um indício de que, pelo menos este é um rio atravessável, ou seja, não vai afundar repentinamente. O fundo de pedras também é um fator positivo, dá pra tracionar relativamente bem. Decido entrar alguns metros com o carro de ré (de forma que as rodas dianteiras ficam no raso) para analisar a correnteza sobre as rodas, a profundidade e o ângulo de inclinação do leito. Avanço uns 6 metros com a roda traseira e a água bate na metade da roda. Vai dar! Volto pra margem, viro o carro de frente, dou mais uma paradinha, faço uns 200 sinais da cruz e vambora. Até a metade da travessia tudo tranquilo com a água na metade das rodas. A partir daí a coisa começa a afundar… e vai descendo aos poucos, cobre 3/4 da roda, cobre a roda inteira, puta que la madre onde esse negócio vai parar?? Estou andando com as 4 rodas submersas e água por tudo quanto é lado, cortando o rio como se fosse um barco. Acelero um pouco mais para não entrar água no escapamento e acabar logo com esse negócio. O carro dá uma patinada de leve mas segue no curso. Logo depois o leito do rio volta a subir, deste lado de forma mais acentuada e, finalmente, vou saindo da água. Paro na outra margem e saio do carro com o coração disparado, saindo pela boca. De tão nervoso nem lembro de virar pra trás e bater uma foto do rio. Quero sair logo desse lugar. Antes de sair uma voz do mal me diz pra voltar e fazer tudo de novo, desta vez gravando um vídeo, afinal eu já sabia que era possível atravessar. Mas rapidamente uma voz do bem me diz pra sair correndo dali. Foi o que eu fiz.
Depois dessa, chegar em Calafate foi moleza. A aduana está sem filas e não demoro nem 3 minutos com a papelada. Foi tão rápido que fiquei um tempo ali fazendo amizade com o Roco, um filhote de cachorro que vive com os oficiais. Ao cruzar a fronteira para a Argentina há um atalho pela Ruta 40, de rípio, mas que corta 80 km do caminho e evita uma visita desnecessária ao vilarejo de Esperança. Entre trechos muito bons e muito ruins, a maior parte está boa e o atalho vale a pena.
Cerca de 40 km antes de Calafate há um mirante maravilhoso de onde pode-se ver o Lago Argentino e o nascimento do Rio Santa Cruz, que leva toda a água do Parque Nacional Los Glaciares ao Oceano Atlântico. Eu já havia cruzado este rio na ida descendo pela Ruta 3, com a Marina, um pouco antes da cidade Comandante Luiz Pedras Buenas. Inclusive enviei uma foto (dia 19/02) das águas esverdeadas que cortam cerca de 250 km de continente (nesta latitude é fácil cruzar a América), passando por Pedras Buenas.
Chego em Calafate e sem perder tempo já vou parando nos hotéis. Quero fazer logo meu trabalho para conseguir visitar as paredes gigantes do Glaciar Perito Moreno outra vez, a primeira foi no inverno de 2008, se der tempo.
PC
16/03/10 – TER – TRABALHANDO EM EL CALAFATE – 15 KM
Sem grandes novidades, hoje passei o dia todo trabalhando. Na hora do almoço fui ao Libro Bar, uma espécie de bar, restaurante, pub e livraria (muito estiloso) que eu havia ido com a Marina, o Janderson e a Marília no inverno de 2008. Continua igual: gostoso e meio bagunçado.
No final do dia saí do centro para me hospedar em uma das pousadas que ficam um pouco mais afastadas da cidade, tranquilas e baratas. De lá vi o por do sol mais bonito da viagem até agora. Vejam!
PC
17/03/10 – QUA: GLACIAR PERITO MORENO – 208 KM (IDA E VOLTA PASSANDO PELO LAGO ROCA)
Apesar de não ser o maior glaciar da região, o Perito Moreno possui uma característica única. É um dos últimos glaciares do mundo que ainda não está retrocedendo, pelo contrário, ele avança alguns metros por ano. Este avanço, contudo, é barrado pela Península Magalhães, um obstáculo natural ao avanço do glaciar. O que acontece quando o Perito Moreno encosta na península é interromper o fluxo de água no Canal de Los Témpanos, que corre bem na frente do glaciar levando a água do Braço Rico ao Lago Argentino. Quando isso acontece, o nível do Braço Rico começa a subir. A força da água é tamanha que começa a cavar um túnel sob a ponta do glaciar que está encostada na península. Este túnel vai ficando cada vez maior, formando uma ponte de gelo, que une a grande massa do glaciar à pequena porção que encostou na península. Esta ponte de gelo vai aos poucos ficando cada vez mais fina, enormes placas vão se soltando da parte debaixo da ponte e caindo no canal. Até que, num espetáculo de gelo, água e um estrondo assustador, toda a estrutura entra em colapso e a ponte se desmancha canal abaixo. A última vez que isto aconteceu foi em 2008. Atualmente o glaciar está avançando novamente para encostar-se à península mais uma vez e aí o ciclo se repete. Até quando? Não sabemos. Mas é de arrepiar pensar que há 10 mil anos os glaciares terminavam a mais 200 km de onde eles terminam hoje em dia.
Passear nas passarelas em frente ao Perito Moreno é uma terapia. Pode-se ficar horas a fio olhando a enorme parede de gelo que em alguns pontos chega a ter 60 metros de altura em relação à água, e mais de 100 metros para dentro da água! Os detalhes da parede de gelo são lindos. Dependendo da posição do sol, diferentes tons de azul vão se mostrando ao público. De vez em quando ouve-se um estrondo e pequenas placas de gelo caindo na água. Simplesmente maravilhoso!
Infelizmente tenho que deixar o glaciar para trás, ainda me resta um hotel e um restaurante de campo para conhecer. Na volta passo pelo Lago Roca, que é bonito sim, mas não tanto quanto me falaram.
Volto pra cidade acompanhado de um belo sol poente.
PC
18/03/10 – QUI: 234 KM – EL CALAFATE > EL CHALTÉN
Pela manhã resolvo as últimas pendências em Calafate. Almoço no restaurante Las Barricas uma espetacular “bandiola de cerdo braseada con batatas acarameladas”. Bandiola de cerdo é como se fosse a picanha do porco, em outras palavras a pontinha da bunda. É uma carne muito macia e com pouca gordura, recomendo, assim como o molho de batatas carameladas que dá um toque especial.
A estrada para Chaltén é um show de paisagens. Demoro 4 horas para andar 220 km, com inúmeras paradas para fotos. Cruzo pela segunda vez nesta viagem o Rio Santa Cruz, agora no sentindo norte e perto de sua nascente, 27 dias depois de cruzá-lo no sentido sul, perto de sua desembocadura. Em seguida a estrada vai margeando o Rio La Leona, outro majestoso de tom azul esverdeado responsável por levar a água do Lago Viedma ao Lago Argentino. Na metade do caminho uma parada obrigatória do Hotel e Restaurante La Leona, onde servem bons doces, empanadas e bebidas. Este local sempre foi muito frenquentado e ponto de apoio para quem viajava à cavalo pelo país, e ficou famoso após ser utilizado como ponto de fuga para Butch Cassidy e Sundance Kid, após assaltarem um banco em Rio Gallegos. Essa história até virou filme.
A 100 km de distância já é possível observar o Monte Fitz Roy com seus impressionantes 3.405 metros de altura. Um gigante que sobe praticamente sozinho no meio dos Andes, como uma enorme sentinela do Campo de Gelo Continental Sul. Impossível não se impressionar. Ao lado esquerdo do Fitz Roy está o Cerro Torre, com 3.102 metros, considerada por muitos a montanha mais difícil de se escalar do mundo, devido às suas paredes verticais lisas.
A vila de El Chaltén é a mais nova cidade Argentina, foi criada em 1985, é considerada a capital do trekking deste país. Com apenas 25 anos de história, a vila serve como base para os amantes de trilhas e escaladas, que vem de todo o mundo em busca de uma foto do Fitz Roy, o que é meio raro pois ele quase nunca aparece, prefere se esconder atrás de alguma nuvem. Apesar de pequeno, este povoado oferece muitas e boas opções de hospedagem e alimentação. Mas cuidado, no inverno quase tudo fecha.
PC
19/03/10 – SEX: 43 KM – EL CHALTÉN
Levanto às 7h. Faz 2ºC, a mínima da viagem até agora. O dia está perfeito, nenhuma nuvem no céu, fato raro em Chaltén, e consigo ver e tirar algumas fotos do Fitz Roy e Cerro Torre. Tomo café e dirijo até o embarcadouro Bahía Túnel, às margens do Lago Viedma. O barco sai de lá às 8:30h e leva um grupo de 15 pessoas para um passeio inesquecível. Primeiro chegamos bem perto das paredes do Glaciar Viedma, que hoje estão com 30 metros de altura (fora d’água). Do lado de fora a sensação térmica deve ter caído para menos de zero, por causa do vento, e tenho que colocar todas as camadas de roupa da mochila. Em seguida o barco atraca num rochedo ao lado do glaciar e saímos da embarcação. Neste rochedo caminhamos um pouco sobre suas superfícies extremamente lisas, parecem que foram polidas. E foram mesmo, por milhares de toneladas de gelo que avançaram e retrocederam sobre estas mesmas rochas que hoje estamos pisando, há milhões de anos. Em seguida começa a fantástica experiência de caminhar sobre um glaciar. Os guias nos fornecem os crampones: um sistema de cravos de aço que são amarrados por cima da bota, permitindo andar sobre o gelo sem escorregar. O gelo que estamos pisando foi formado há cerca de 400 anos, lá no Campo de Gelo Continental Sul. Este é o tempo médio que o gelo leva para descer mais de 40 km rochedo abaixo, naquela forma de “língua” que vocês viram nas fotos do Perito Moreno. A caminhada sobre o glaciar é uma pequena volta sobre a porção final desta língua, que está prestes (daqui a uns 5 anos) a cair no lago e derreter. É uma sensação incrível. Os crampones são bem leves e em pouco tempo pega-se o jeito de andar em cima dessas pontas de aço. De acordo com a inclinação do gelo há uma pisada específica, mas nada de outro mundo. Antes de regressar ao barco tomamos Baileys “on the rocks” com gelo de 400 anos de idade. O tradicional neste passeio é beber whisky, mas o Baileys até que caiu bem. O passeio termina com um lanche sobre as rochas lisas, ao lado do glaciar e do lago Viedma. Not too shabby!
Volto para Chaltén e trabalho o resto da tarde. No jantar resolvo arriscar e peço uma pizza. Me dei mal, comi uma torta de farinha com queijo e tomate, muito longe de uma pizza.
Mas valeu, o dia hoje foi bom!
Vejam pelas fotos: 21 sendo econômico.
PC
20/03/10 – SÁB: 71 KM (64 KM DE RÍPIO) – EL CHALTÉN
Mais um dia intenso. Pela manhã vou até a Estância El Pilar para conhecer o lugar. De lá começa uma trilha que passa na frente do Fitz Roy. Neste ponto (2 horas depois) tenho a opção de subir a morena frontal do glaciar que leva o mesmo nome, e chegar ao mirante do gigante Fitz Roy. Mas hoje ele está escondido atrás de umas nuvens bem cinzas, nada convidativo para subir a morena. Passo reto e vou até o mirante do Rio de Las Vueltas, e de lá para a cidade. Total caminhado: 17,5 km em 5 horas e 40 minutos contando as paradas para lanche e descanso.
Volto para a cidade e faço mais alguns contatos. Tomo um chocolate quente molhando as galetitas no leite e comendo de colher. Nham, nham, nham.
De tarde pego o carro e vou até a Laguna del Desierto. Passando a cidade de Chaltén uma ruta de rípio continua por mais 32 km até chegar nesta enorme laguna verde e comprida. Aqui acaba a estrada, mas você pode pegar um barco até a outra margem do lago e, após um par de horas caminhando, entrar para o Chile. Alguns metros antes do fim da ruta está a trilha que leva ao Glaciar Huemul, um exemplo perfeito de um glaciar que está morrendo. Uma boa subida de 250 metros me leva ao mirante deste moribundo. Mesmo morrendo é uma visita que vale a pena, o lugar todo não é muito grande (comparado com outros glaciares) e a sensação é de intimidade. O glaciar cobre somente um pequeno pedaço de rocha e um pouco mais abaixo há uma linda lagoa verde esmeralda com nada menos do que 100 metros de profundidade. Neste cenário posso observar claramente as impressões deixadas por este que um dia foi bem maior do que é hoje: marcas de erosão na rocha principal e muitas pedras, de todos os tamanhos, que foram empurradas vale abaixo por este glaciar há milhões de anos.
Volto para Chaltén e começo minha arrumação final nas coisas. Daqui pra frente serão 8 dias de estrada direto até o Brasil.
Beijos e abraços, PC
21/03/10 – DOM: 571 KM (347 KM DE RÍPIO) – EL CHALTÉN > PERITO MORENO
Minha despedida do Fitz Roy não é grandes coisas. Esperava tirar algumas fotos da estrada mas nenhum sinal do gigante. Só nuvens, todas brancas, bem em cima da cordilheira. Para o leste o céu está azul e o sol brilha forte. Volto a ligar o ar condicionado após muitos dias.
De Chaltén a Três Lagos tudo tranquilo: 130 km de asfalto bom e vento lateral aceitável.
De Três Lagos a Casa Riera são 181 km de um rípio chato mas até que vai. O trilho que se forma no rípio é bem profundo e mais uma vez estar num carro alto faz a diferença.
A partir de Riera são mais 56 km de um trecho asfaltado da Ruta 40. Neste pedaço não consegui passar dos 100 km/h: uma subida leve mas interminável por mais de 30 km seguidos (sem um trecho plano sequer) e vento contra muito, muito forte.
Mais 101 km de um rípio muito bom (o que é raro) e estou em Bajo Caracoles.
Daqui a Perito Moreno são 128 km de asfalto, certo? Errado: o mapa que eu comprei em Ushuaia mostra uma coisa mas na verdade a única parte asfaltada são os últimos 40 km. E este trecho está péssimo. Mas o pior não é pegar um rípio ruim, isso eu já tinha pego, o pior é esperar por um asfalto lisinho e encontrar uma ruta horrível, cheia de pedras! Alguns longos trechos não dava para acelerar mais do que 30 km/h. Resultado, chego em Perito Moreno no escuro. Los Antiguos deve ser lindo mas vai ficar pra outra. Passo a noite num daqueles hotéis que não vale a pena guardar o nome.
Abs,
PC
22/03/10 – SEG: 678 KM (106 KM DE RÍPIO) – PERITO MORENO > EL BOLSÓN
Saindo de Perito Moreno vou em direção a Rio Mayo. Esqueça tudo o que eu disse sobre rípio ruim até agora. Esse sim são os piores 87 km da viagem. É de tirar qualquer um do sério. Pedras, pedras e mais pedras. Em muitos trechos não dá pra passar dos 20 km/h. Levo mais de 2,5 horas para andar míseros 87 km.
De Rio Mayo até o próximo entroncamento a estrada é muito boa e o vento sopra a favor. Que diferença! Qualquer pisada no acelerador já bato nos 140 km/h, até tenho que tirar o pé às vezes. Mas como tudo o que é bom dura pouco, ao entrar na Ruta 20 o asfalto piora e o vento também, mas um tapete comparado ao início do dia. Vou fazendo média de 110 km/h até Esquel.
Apesar dos trechos difíceis é muito gostoso dirigir por estes lados da Ruta 40. A paisagem é muito mais bonita e variada, e quase não há movimento. Às vezes passo mais de 1 hora sem cruzar outro carro. Ultrapassar e ser ultrapassado? Esquece, isso acontece umas 3 vezes por dia. Bem diferente da Ruta 3.
A meta hoje é chegar em El Bolsón. A uns 40 km da cidade já começa a aparecer as primeiras montanhas com grandes árvores. Aos poucos elas vão enchendo a paisagem para finalmente darem forma a uma floresta. Que colírio para os olhos! Depois de quase 3.000 km vendo só deserto e comendo poeira, agora vejo árvores e pego chuva. Nem ligo.
Bolsón é uma linda cidade, com muito verde, um ótimo destino turístico que fica apenas alguns km ao sul de Bariloche, oferece muitas cabanas, pousadas e restaurantes. Hoje vou dormir num lugar digno (e barato!).
PC
23/03/10 – TER: 567 KM (FINALMENTE UM DIA SEM PEGAR RÍPIO!) – EL BOLSÓN > NEUQUÉN
O trecho de Bolsón a Bariloche é bem montanhoso e as curvas predominam, mas a paisagem compensa com muitas árvores, vales, montanhas e lagos. Vejam as fotos!
Passando Bariloche a estrada contorna o Lago Nahuel Huapi. O vento aqui está muito forte e as ondas quebram violentamente na praia de pedras. Falando em perdas, acabo de fazer uma pequena bobagem. No ímpeto de me aproximar deste cenário tão diferente acabei chegando perto demais do lago e o caminho de pedras que era firme, se tornou mole. Estou atolado com as duas rodas da frente de um jeito que as pedras encostam na roda e no protetor de cárter. Vou pra pista e fico a procura de caminhotes 4×4. Tenho sorte, menos de 10 minutos e consigo parar um jovem numa Toyota Hi-Lux das antigas, mas com um pequeno detalhe na tampa traseira: 4WD. Ainda bem que tenho um cabo de reboque na caixa de ferramentas. Demora um pouquinho mas conseguimos desfazer a meleca que eu fiz. Nem acredito, podia perder um dia inteiro com essa burrada e no fim não perdi nem uma hora. O carro sai espalhando pedras pela pista inteira. Tenho que parar e com uma pequena ferramenta tirar quase um quilo de pedras que estavam por dentro do pára choques.
A paisagem continua deslumbrante, acho que uma das mais belas de toda a viagem, depois da chegada em Ushuaia. Ao me afastar de Bariloche a estrada acompanha um majestoso rio azul que lá na frente vira uma represa. Aqui o cenário é uma mistura de montanhas com deserto e uma faixa de oásis que vai acompanhando as margens do rio. Nesta faixa crescem árvores altas que destoam do deserto logo ao lado. Lindo!
Os últimos 250 km até Neuquén nenhuma novidade, é só pra cumprir tabela mesmo, e aquele deserto de sempre volta à paisagem uma vez que me afasto das montanhas.
Neuquén é uma cidade grande e caótica, trânsito pesado, filas pra abastecer etc., não vou ter saudades daqui.
PC
24/03/10 – QUA: 728 KM – NEUQUÉN > TRÊS ARROYOS
Pai, feliz aniversário!
Hoje eu me desloco 728 km para o leste cortando quase que todo o território argentino, sem subir quase nada em latitude. Ao chegar no cruzamento das Ruta 22 com a Ruta 3, volto a dirigir pelo mesmo caminho da ida. Poderia mudar e fazer algo diferente mas o objetivo agora é voltar pra casa, então prefiro usar a rota que eu já conheço e sei que está em boas condições.
Dia quente e sem vento. A paisagem desértica que predominou até Neuquén (exceto em Bolsón e Bariloche) volta a ser composta basicamente por pasto, planícies verdes com pequenas flores amarelas e alguns eucaliptos. A falta de vento ajuda muito na direção, por outro lado o pára brisa retoma sua função de assassinar insetos desavisados, exigindo uma boa lavagem a cada pit stop. Volto a usar bermudas após 35 dias consecutivos de calças compridas.
PC
25/03/10 – QUI: 530 KM – TRÊS ARROYOS > LA PLATA – 489 KM (+ 41 KM PARA COMPRAR UM VINHO!)
A província de Buenos Aires é mesmo uma grande planície verde. E tome pasto! A paisagem de hoje se resume em pasto, vacas e algumas plantações. Faço os 489 km numa tacada só e chego em La Plata para o almoço. Tráfego intenso de caminhões o tempo todo, nem lembrava mais como era isso. Por outro lado ficar negociando ultrapassagens faz o tempo passar mais rápido.
Em La Plata resolvo algumas coisas, compro pesos uruguaios para os pedágios (agora estou esperto), faço umas compras no Carrefour e rodo 41 km até a cidade de Berisso atrás de um vinho branco que eu tomei com a Marina em Puerto Madryn. Mas valeu a pena pois o vinho é muito bom e custou R$ 7 a garrafa!
À noite o especialista em carnes, Señor Marcos, que já havia preparado uma parrillada na ida, desta vez elaborou um Lomo a la Uruguaia: com presunto, pimentão e queijo. Nham, nham, nham, umas das melhores carnes que eu comi em toda a viagem!
Antes de deitar tiro uma foto do “peixe dinossauro” chamado Cioran, que o Alejandro cuida com tanto carinho. Vejam a foto da coisa.
Amanhã atravesso o Rio da Prata e todo o território Uruguaio para finalmente fazer a última aduana e entrar de volta para o Brasil-sil-sil!
Abs,
PC
26/03/10 – Sex: 805 km – La Plata > Rio Grande
Chegar em Buenos Aires pela manhã é bem complicado, lembra muito a chegada da Dutra em São Paulo às 7:30h da manhã. Além disso demoro a encontrar a entrada para autos do Buquebus. Resultado: perdi o Buque Rápido que sai às 8:30h e leva 1 hora e meia para atravessar o Rio da Prata. Tenho que embarcar no Buque das 9:30h e que demora 3 horas para atravessar o mesmo trecho do rio até Colônia del Sacramento, no Uruguai. Paciência.
Ao chegar no Uruguai há uma barreira fito sanitária completamente desorganizada. A fila é uma bagunça, nem pode ser chamada assim, e ao manobrar o carro um agente da barreira acha que eu estou tentando passar sem ser revistado. Nem preciso dizer que reviraram o meu carro de cabeça pra baixo e confiscaram meus lanches de presunto e queijo.
Entro na estrada e após 20 minutos sou parado por ultrapassar um caminhão que ia a 10 km/h, na faixa contínua. Tudo bem, eu sei que estou errado, mas que começo de dia! Ele manda eu pagar a multa num posto da polícia lá na frente, depois de Montevidéu, mas isso nunca aconteceu de fato pois não encontrei o tal posto. ;)))
Depois disso, tudo certo. Sem problemas para atravessar a fronteira em Chuí, nada de filas nem encheção de saco. Um simpático agente da PF dá uma olhada no carro, abre alguns presentes que eu comprei mas como não levo eletrônicos me libera em seguida.
Ao subir em latitude a noite chega cada dia mais cedo. A primeira cidade descente do RS é Rio Grande, 250 km depois de Chuí, mas tudo bem pois a estrada está muito bem sinalizada. Chego aqui 21:30h.
Como é bom voltar ao Brasil, falar português e ser bem atendido nos postos de gasolina. Amanhã sigo para Curitiba.
Até,
PC
27/03/10 – SÁB: 1.342 KM – RIO GRANDE > SÃO PAULO
Acordo às 6h e saio do hotel antes de servirem o café da manhã. Passo num caixa eletrônico e às 6:35h já estou na fila da balsa que atravessa de Rio Grande para São José do Norte, comendo um pão caseiro que trouxe de La Plata e tomando um suco que passou a noite no frigobar do quarto justamente pensando neste momento.
Segundo o recepcionista do hotel, hoje é sábado e há somente três balsas: 7h, 13h e 18h. Não posso perder a das 7h de jeito nenhum, por isso chego bem cedo na fila que já estava grande. Foi a sorte pois o meu carro foi um dos últimos a embarcar. A balsa está tão apertada que nem consigo sair do carro. Melhor, deitei e no banco e dei uma descansada.
Às 7:45h já estou na estrada do outro lado da Lagoa dos Patos para percorrer a estreita faixa de terra que fica entre a Lagoa e o Atlântico (não encontrei o nome desta “península”) por onde passa a BR 101, seguindo 318 km até Osório. Desta vez eu não pego a Estrada do Mar e continuo na 101 sentido Floripa. A estrada está em obras de duplicação e alterna trechos muito bons com muito ruins, mas de uma forma geral vou bem.
Passando este longo trecho em obras a coisa fica fácil e nem sinto a viagem que segue tranquila passando por Joinville, e subindo quase 1000 metros de serra do mar até o rodoanel de Curitiba.
São 18:30h, faltam apenas 404 km pra chegar em casa e me sinto muito bem. Quer saber? Vou tocar direto pra casa! Paro num posto mais adiante, encho o tanque, como um lanche e tomo um café.
Vou sem pressa curtindo um Luiz Gonzaga, feliz por estar completando a viagem, um sonho quase realizado, falta pouco! Que sensação boa. É bom viajar, mas também é muito bom voltar pra casa. Tenho saudades da família, da Marina, dos amigos e do meu quarto. Estou tão bem que nem sinto os últimos km da viagem. Além de tudo, chegar em São Paulo num sábado à noite é um privilégio, não pego nenhum trânsito.
Chego na casa de Marina sem avisar e faço uma surpresa! Sábado, 27 de março de 2010, às 23:55h. Missão cumprida, sonho realizado! Foram 48 dias de estrada.
É amigos, vou parar de encher a caixa de e-mails de vocês. Agradeço a todos pelos e-mails, frases de incentivo e orações.
Sei que é uma frase velha, conhecida por muitos, chega a ser até piegas. Mas gostaria de finalizar o meu diário com as sábias palavras do Amyr Klink, escritas em seu livro Mar Sem Fim.
Valeu demais!!!
PC
28/03: NÚMEROS DA VIAGEM:
Dias: 48 dias
Km total: 14.264 km
Km em asfalto: 12.599 km
Km em rípio: 1.665 km
Litros de Gasolina: 1.383,9 litros
Consumo Médio: 10,32 km/litro
Abastecimento: 38 vezes
Latitude Mínima: S 23º32’24 (Minha casa – São Paulo)
Latitude Máxima: S 54º52’44 (Estância Harberton – Terra do Fogo)
Altitude Mínima: 6 m (Bahía de Ushuaia – Terra do Fogo)
Altitude Máxima: 1.167 m (Serra entre Bariloche e Neuquén)
Temperatura Mínima: 2ºC (El Chaltén) – não considera sensação térmica