Blog do PC
Diário Santiago de Compostela
Dia 1 – 19/04
Vôo da Ibéria cancelado, por sorte chegamos com mais de 3 horas de antecedência e conseguimos embarcar no vôo da Air China. Obrigado a atendente Débora que nos deu uma forca. Vôo tranquilo mas as poltronas são péssimas, reclina tanto quanto um Boeing da Gol na ponte aérea, da mesma largura inclusive. Eu dormi um pouco mais que duas horas e o Zé nem isso.
Dia 2 – 20/04
Conexão para Pamplona, tiramos as bikes da mala, despachamos para o hotel de Santiago de Compostela e seguimos viagem por 120 km. Chegada a St. Jean PiedduPort, deixamos alforjes e bikes no albergue e fizemos um passeio pelo antigo castelo com vista para a cidade, utilizado pelos franceses para defender o território na época em que disputavam fronteira com o Pais Basco. A cidade é super gostosa com muitos restaurantes e albergues, da vontade de passar um dia inteiro aqui. A noite a dona do albergue Le Spirit Du Chemin faz um brinde especial com licores e cada peregrino fala um pouco sobre porque esta fazendo o caminho. É um momento bem interessante que serviu para me ajudar a entrar no clima do Camino. Jantar delicioso conversando com outros peregrinos e cama. Dividimos o quarto com um Irlandês chamado Brandon, o cara tinha um saco de dormir muito power e até cedeu o seu cobertor para Zé que estava congelando com seu saco de dormir feito para usar em Manaus…
Dia 3 – 21/04
St. Jean – Roncesvalles
07:00 :: 28.360 m :: 3:45:19
Acumulado: 28 km
Muita chuva!
Café da manha maravilhoso com os melhores cereais que já comi. A saída foi bem travada até conseguir acomodar devidamente as coisas no bagageiro e corrigir uma vibração preocupante no meu caso. Decidimos não atravessar os Pirineus pela Rota Napoleônica pois havia nevado e a chance de perder os sinais pelo caminho era muito grande. A paisagem é maravilhosa com árvores secas e folhas avermelhadas nos galhos e no chão, alem de flores, pássaros, ovelhas, cabritos e casas de alvenaria com pedra e janelas de madeira abertas exibindo lindas cortinas de renda branca provavelmente feitas a mão. A estrada contorna a serra de maneira suave e interminável, saímos de 166 metros de altitude para 1.057 sendo que 80% do tempo foi debaixo de chuva. A minha calça e luvas “impermeáveis” não agüentou tanta água e pedalei as duas ultimas horas com os pés e mãos molhadas e congeladas! O equipamento do Zé foi bem melhor e ele terminou o dia bem. Após o banho fomos assistir à tradicional missa para os peregrinos na igreja de Roncesvalles, uma cerimônia bonita e emocionante. A energia que se sente lá dentro é especial e indescritível. Jantamos no albergue com mais dois peregrinos sentados à mesa, um canadense e um australiano que ficaram falando de geografia política e econômica, eu acompanhei no começo mas depois desencanei, não é conversa de uma peregrinação. Cheguei no quarto e capotei exausto de tanto pedalar na subida, molhado e ainda com o fuso não ajustado.
Dia 4 – 22/04
Roncesvalles – Villaba
– 07h55 entre as cidades
– 38.250 m
– Tempo pedalando: 3:52:53
– Acumulado: 66 km
Chuviscos ocasionais
Dormi ate as 10h isso porque o Zé estava me chacoalhando desde as 9h. Não queria sair nem a pau, o tempo estava chuviscando e a temperatura era de 5°C. Pelo menos acordei com o nariz descongestionado, sinal que o descanso valeu a pena.
Tomamos café da manhã sem surpresas, o mesmo pão duro que eles adoram por aqui.
Hoje o dia é bem mais tranquilo, saímos de 980 metros para 440. Logo no inicio uma trilha enlameada e muuuiito frio com garoa fina. Aos poucos a trilha vai se afastando da estrada e pedalamos entre campos, plantações e criações de vacas e ovelhas. Cruzamos diversos riachos na região de Burguete e Espinal, duas vilas lindas de arquitetura típica como descrevi no dia 3. A descida acontece em dois trechos intercalados por uma elevação de 100 metros. A primeira delas é por um bosque de arvores espaçadas coberto por folhas secas e nesta parte há uma calçada que facilita bastante. A segunda parte da descida é em floresta densa e com muita lama! Vamos de pé jogando o peso para trás (leia-se com a bunda acima do bagageiro) e buzinando com aqueles sinos bem tradicionais para não assustar os peregrinos e também pedir passagem. Mesmo com pneus novos a lama é tanta que por varias vezes saímos de traseira, o que não é bom quando estamos com 15kg de equipamento sobre o eixo de trás. A descida termina com dor nos braços, adrenalina a mil, bike imunda e um enorme sorriso no rosto. A cidade imediatamente após a pirambeira é Zubiri, onde almoçamos (às 16h) em um pátio cercado por pequenos prédios de 3 andares com floreiras nas janelas e varandas.
Daqui pra frente, se o dia já estava bom, ficou ainda melhor. O céu abriu e um leve sol nos saudou pelas próximas duas horas, pedalando entre as vilas de Eskirotz, Larrasoana, Akerreta, Zuriain e Irotz. Neste trecho o percurso é um vale praticamente plano e decorado com campos floridos, casas de pedra, um rio e montanhas dos dois lados. O tempo estava ótimo, nenhum vento, nem frio nem calor. Estávamos sem fome e com bastante disposição. Foi um passeio delicioso que terminou em Villaba, a apenas 5km de Pamplona. Como disse o Zé, “a definição de um dia feliz é você quem faz”. Em Villaba conseguimos um albergue 5* que por 7 Euros a mais, por pessoa, nos oferecia um quarto privativo com banheiro. Certeza que ficamos com esse e o banheiro ainda tinha um secador de mãos super potente que aproveitamos para lavar roupa no banho e secar ali mesmo, sendo posteriormente pendurada no aquecedor a óleo.
Estava morrendo de fome. No bar/restaurante anexo ao albergue servem o menu do peregrino por 8,50 euros. Fomos atendidos por uma simpática mulher de meia idade de cabelos roxos chamada Ane que nos serviu uma sopa de macarrão com muito pão duro seguido de batata frita com uma carne porco que parecia bisteca só que mais branca. Ao pagar a conta no balcão percebi que havia uma vieira, a concha símbolo dos peregrinos pendurada na gôndolas dos salgadinhos. Muitos peregrinos carregam esta concha durante o caminho mas eu ainda não havia encontrado uma. Perguntei se estava a venda e ela disse que não, era dela e havia sido um presente. Quando já estava me virando para ir embora ela me chama com a concha nas mãos e os braços estendidos em minha direção. Não acreditei que ela estava me dando, hesitei um instante e ela insistiu. Fiquei super emocionado com sua atitude e dei-lhe um forte abraço. Pude sentir novamente o espirito e a energia que corre neste caminho, no qual as pessoas se ajudam, se cumprimentam, trocam palavras de sorte e incentivo, e agora percebo que também ha desapego e carinho. Obrigado Ane, que Deus ilumine seu caminho. É muito diferente ganhar sua concha do que comprar uma. Não pretendo guardá-la, nem pendurar na parede da minha casa. A energia por aqui não para de fluir e um dia esta mesma vieira estará acompanhando a jornada de outro peregrino.
Dia 5 – 23/04
Villaba – Puente la Reina
– 06h47 entre as cidades
– 28.390 m
– Tempo pedalando: 3:01:50
– Acumulado: 95 km
Nublado c/ garoa no final do dia
Acordamos mais cedo hoje, apesar das apenas 6 horas de sono sinto que estamos cada dia melhores, se não das pernas ao menos do espirito. Tiramos o barro seco das engrenagens com uma escova de dentes velha e partimos para Pamplona. Atravessamos esta grande cidade de 300 mil habitantes seguindo sempre a rota dos peregrinos, toda marcada pelos mais de 800km por setas amarelas no chão, paredes e versos das placas de trânsito, além de pequenos totens de concreto com a concha azul e amarela. Em plena cidade passamos por um castelo medieval com um muro de pedras interminável que devia ter mais de 8 metros de altura. No centro, fomos abordados por um grupo de turistas holandeses que conversaram por mais de cinco minutos e ao final tiraram fotos de nós com as bikes (eles adoram). Esse clima é indescritível. Mais adiante passamos por uma praça com muitas tulipas de diversas cores e paramos as bikes num café para fugir um pouco do frio. Nos sentimos bem europeus nessa hora, rsrs, o café estava bom mas o que valeu mesmo foram os cookies com gotas de chocolate. A parte mais difícil do dia, contudo, estava por vir. Saindo de Pamplona iniciamos uma subida dos 440 aos 760 metros de altitude em cerca de 6km. O topo deste morro é chamado de alto do perdão, dizem que ao chegar lá em cima você já perdoou todos os que te ofenderam. A subida é difícil por causa do terreno irregular com muitas pedras soltas, mas até que vai bem com algumas paradas no meio do caminho. De qualquer maneira recordemos que, segundo Jesus, nossas ofensas são perdoadas na mesma medida em que nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Mesmo quem não subiu até o alto do perdão sabe que todos nós, de alguma forma, magoamos uns aos outros, mesmo com a melhor das intenções. Então por que não nos perdoamos com mais facilidade? Se soubesse a resposta já estaria flutuando por aí ao invés de pedalar 300 metros de altitude morro acima.
Graças ao Sir Isaac Newton, tudo que sobe, desce. E do outro lado nos aguardava uma descida da mesma magnitude só que mais inclinada, por uma trilha de terra cheia de pedras soltas, um downhill super técnico que o Zé me deixou comendo poeira. Daí pra frente foram só descidas mais brandas e uma rápida chuva até a vila de Obanos. Mais uma praça pitoresca com bancos de madeira sem mendigos que observa nosso lanche com prosa vespertina. A cidade possui lindas ruas e calçadas de pedras milimetricamente assentadas e decoradas com vieiras de metal. A pedalada é tão suave quanto pedalar sobre um piso de mármore.
Mais um pouco de descida e estamos em Puente la Reina, no Jakue, outro albergue 5* que oferece upgrade para quarto privativo por um par de Euros. O jantar é um buffett maravilhoso daqueles que você come até virar uma bola. Foi o que aconteceu conosco: mais batata fruta, carne, salada, sopas e sobremesa. Antes do jantar conversamos bastante com o Sebastião, um brasileiro que já trabalhou em muitos lugares da Europa e há doze anos está aqui em Puente la Reina. Gente finíssima, nos descolou duas taças de um maravilhoso Rioja Cune safra 2008 para abrir o apetite, como se precisasse =D.
Diário em dia, buenas noches.
Dia 6 – 24/04
Puente la Reina – Los Arcos
– 10h00 entre as cidades
– 47.530m
– Tempo pedalando: 4:32:51
– Acumulado: 142 km
Tempo aberto, sem chuvas e temperatura agradável em torno dos 14°C.
Ainda estamos em ritmo lento, hoje iniciamos a pedalada às 10h30. Tomamos um café da manhã de rei no restaurante do Hotel Jakue (nosso albergue fica no mesmo complexo de um hotel) com direito a salada de frutas em caldas, tostadas feitas na hora, cereais, sucos diversos e uma variedade de folhados doces maravilhosos. Na verdade só comemos o de chocolate que estava tão bom que embalamos alguns para viagem. Viajar com dois alforjes não é das coisas mais fáceis e aos poucos estou pegando o jeito de separar tudo o que é de uso noturno em um deles (roupa para ficar a noite, roupas limpas, carregadores, toalha, coisas de banheiro, remédios, vitaminas…) e itens de uso durante a pedalada em outro (luvas, gorro, calca impermeável, fleece fino, jaqueta de chuva, ferramentas, pecas de reposição, bomba de pneu…). Também fizemos algumas manutenções como lubrificação da corrente, ajuste de cambio, ajuste da posição dos alforjes e eu precisei colocar alguns pedaços de câmaras velhas dos dois lados do bagageiro pois a trepidação constante estava detonando o fundo de plástico.
Logo na saída esta o ponto onde todos os caminhos de Santiago se unem e viram um só.
Puente lá Reina também tem ruas estreitas de pedras, lindas casas geminadas com floreiras e uma igreja medieval feita de pedras. Ao sair da vila passamos pela ponte que dá nome ao lugar, segundo o José ela foi construída por peregrinos. Os km iniciais foram cansativos com muito sobe e desce mas uma paisagem de campos e parreirais que distraia bem. Depois de quase duas horas passamos pela vila de Zirauki, mais uma dessas típicas, antigas e pitorescas vilas do Caminho de Santiago. Na entrada e durante a passagem pela vila fomos conversando com um casal de americanos da Califórnia muito interessante, nem pareciam que eram americanos. Eles nos contaram que o caminho de pedras irregulares que estava por vir é uma antiga estrada Romana e que cruzaríamos por três pontes construídas por eles. Esse caminho é bem chato para quem pedala, as pedras são totalmente irregulares e há muita terra também o que nos obriga a ir bem devagar mesmo nas descidas.
Ao final deste caminho há uma subida bem íngreme e a vila de Lorca fica no topo. Paramos para comer os folhados de chocolate e descansar um pouco. Na hora de sair bati o olho na bike e descobri um raio quebrado. O ajuste de raio é uma coisa super sutil e eu sinceramente não domino o assunto. No primeiro dia eu escutei um barulho vindo da roda de trás, reconheci o raio frouxo e dei uma leve apertada. Não sei se apertei de mais ou de menos, mas o fato é que ele estava quebrado. Consultei meu guia de bicigrinos e descobri uma loja em Estella, 8 km adiante. Desistimos do caminho esburacado e fomos bem devagar por uma estrada vicinal quase paralela ao percurso original. Chegamos em Estella às 14:15 e após rodar a cidade inteira (essa não é uma pequena vila) concluímos que todas as lojas estavam fechadas, e só abririam novamente após as 16:30. O jeito foi parar num mercado e comprar pães, tomate, queijo e frutas e seguir para um parque local fazer um picnic. Estava maravilhoso, só o vento frio que incomodava um pouco. Terminamos a farofa, recolhemos todo o lixo e fomos para a loja, o lugar tinha de tudo, roupas, equipamentos e peças, acionais demos sorte de entrar justo na melhor loja de Estella. O Sr. Pedro demonstrou perícia ao trocar o raio quebrado e refazer o alinhamento da roda traseira e de quebra ainda regulou o freio dianteiro que estava começando afazer um barulho chato. O jeito dele girar a roda e olhar atentamente com o olho esquerdo nos encantou, nada de máquinas modernas o cara foi na experiência mesmo. Bike zerada, voltamos ao caminho com duas horas de atraso. Saindo de Estella esta um dos pontos altos do caminho, uma bodega que libera uma fonte de água e outra de vinho. Espetacular! Tratei de encher uma das garrafas com o vinho deles, muito bom por sinal, e seguimos viagem. O vento parou e o sol apareceu. Pela primeira vez coloquei as lentes escuras no óculos e dobrei o permito para refrescar as pernas. As horas seguintes foram de subidas e descidas até um vale cercado por morros e parreirais, muitos pássaros cantando e o sol se pondo bem na nossa frente. Não conseguimos cumprir a meta do dia, paramos em Los Arcos e aos poucos compensamos o imprevisto. Já eram mais de 20h e não tínhamos muito tempo, entramos no primeiro albergue e aqui ficamos. É o pior até o momento, enquanto escrevo escuto uma sinfonia de 3 roncos diferentes (um trombone, um trompete e uma tuba) e o Zé foi lá pra sala. Coisas do estranho caminho de Santiago. Até amanhã.
Dia 7 – 25/04 :: Parabéns maninha!!!
Los Arcos – Nájera
– 08h27 entre as cidades
– 58.050m
– Tempo pedalando: 5:27:17
– Acumulado: 200 km!
Sol com algumas nuvens, sem chuva.
Às 6h50 começa uma movimentação de peregrinos no quarto. A luz é acesa. Olho pela janela e esta tudo escuro. Onde essa galera vai? Espera mais meia hora aí pessoal. Mas a verdade é que estamos aqui passeando, o peregrino que vai a pé precisa sair ao primeiro raio de sol para fazer render o dia. Já que acordamos cedo vamos fazer o mesmo. Quando saio do quarto o Zé já esta com a bike pronta, alforjes montados e café da manha tomado. O coitado não conseguiu dormir com a sinfonia de roncos e depois das 5h já começou a se organizar. E pra piorar estava arrumando a bagagem e deu um baita mal jeito nas costas. Tomou dois Dorflex e bike na estrada.
A saída de Los Arcos é bem tranqüila e plana mas vamos devagar para aquecer os músculos da perna que já começam a reclamar e o Zé sentir o estrago nas costas.
Passamos por Sansol e Torres del Rio antes de encarar duas boas subidas de terra. As costas do Zé doem e vamos bem tranquilo. Depois das subidas a trilha desce por um vale bem deserto e já é nítida a mudança de vegetação. As densas florestas e bosques dos Pirineus dão lugar à uma vegetação seca de arbustos baixos e galhos retorcidos. Mais alguns km e chegamos a Viana onde paramos para comprar um sanduíche que futuramente seria nosso almoço e tomar chocolate quente. Um pouco antes o Zé pediu para descer pela estrada ao invés da trilha para poupar as costas.
A saída de Viana é uma delicia, diversas descidas entre parques por uma trilha de terra bem lisa que se aproximando de Logrono vira uma ciclovia de piso liso e com ótima aderência. Passamos por Logrono pedalando por ruas super movimentadas cheias de comércio e pessoas. Não sei quantos habitantes tem mas me pareceu ser maior do que Pamplona que tem 300 mil. Isso nos tomou bastante tempo, parando nos semáforos e esperando calmamente os pedestres abrirem passagem.
A saída de Logrono é repleta de parques e muito verde com ciclovias asfaltadas que extrapolam os limites da cidade e visitam os campos que as cercam. Um exemplo de incentivo à pratica do esporte e ao uso de transporte alternativo. E tome subida até a vila de Navarrete. Aqui, pela segunda vez na viagem entramos em uma igreja, bonita por fora e maravilhosa por dentro! Ao entrar no ambiente escuro, recém saindo do sol, não temos dimensão dos adornos mas aos poucos os olhos acostumam e sua beleza começa a ser revelada. O altar era repleto de ouro do chão ao teto, provavelmente trazidos da America do Sul, revestindo as imagens de santos, brasões e passagens bíblicas. Nunca tinha visto um altar tão dourado, dava para me aposentar com um terço daquele altar.
Aí veio a parte mais difícil da viagem, de Navarrete passando por Ventosa até o alto de S. Antón foram 6km de puro vento contra em um terreno levemente ascendente. Pedalamos até a metade e paramos para comer o sanduíche esperando que o vento diminuísse. Nada. Seguimos em frente e as costas do Zé já estavam pifando, além do cansaço de uma noite mal dormida. Resolvemos adotar a estratégia do Tour de France, eu fui na frente encarando o vento e o Zé no vácuo se poupando. Funcionou. Terminamos a subida contra o vento para finalmente descer e terminar o dia em Nájera. Conseguimos um hostel com quarto e banheiro privativos, essa noite o Zé dorme!
No restaurante a senhora que nos atendeu explicou que Nájera foi fundada por Árabes e que o nome original em Basco “Naiara” signica “lugar onde tem rio e montanha”.
Hoje foi puxado: pernas, joelho e bunda já estão dando sinais de
cansaço acumulado. Vou descansar, beijos e abraços! PC
Dia 8 – 26/04
Nájera – Belorado
– 07h21 entre as cidades
– 44.210m
– Tempo pedalando: 4:21:47
– Acumulado: 245 km!
Nublado pela manhã e chuvisco constante à tarde.
Noite de recuperação, dormimos mais do que o esperado. O Zé acordou com a mesma dor nas costas, um pouco melhor apenas, mas ao menos colocou o sono em dia. Já eu estava bem do joelho, pernas e bunda.
Fechamos as coisas e fomos tomar café da manhã no bar em frente ao Hostel, que é do mesmo dono, um senhor das antigas muito atencioso. Ele esquentou dois croaissaints que comemos com manteiga e geléia, uma delicia! Montamos as bikes e saímos as 11:00.
O dia começou em um estreito caminho de asfalto tão liso que nem percebemos o desnível de 100 metros para cima. O tempo estava bom, sem vento e pedalamos diversos km por campos com parreiras antes de encarar uma subida de 200 metros por terra até Ciruena. A cidade é super bem cuidada, com parques, diversas casas mas ninguém nas ruas, e nem era a hora da ciesta ainda. Em seguida descemos por campos de flores amarelas e finalmente chegamos em Santo Domingo de La Calzada para comer um lanche e tomar o melhor chocolate quente da viagem até agora. Esta cidade tem uma catedral famosa por deixar um galo em exibição dentro da nave principal, isso mesmo um galo de verdade que fica no alto de uma parede, dentro de uma gaiola de vidro, horrível. Mas isso não é tudo, nesta igreja você ainda pode ver o restábulo de uma antiga capela que possui a maior quantidade de ornamentações profanas que pode ser vista na Espanha, feitas a partir da mitologia e do grotesco. Sereias, centauros, tritões, mulheres aves, máscaras (que simbolizam o ambíguo e o equívoco), caveiras e até um santo pisando na cabeça de duas crianças… bizarríssimo!
A essa altura as costas do Zé estava bem melhor, com o corpo quente ele sentia menos dores.
Ao partirmos começou uma garoa fina e gelada que nos acompanhou pelo resto do dia, juntamente com um vento contra que foi piorando ao longo do dia e aumentando a intensidade da chuva. Saímos da província de La Rioja e entramos em Burgos. As cidades por aqui não tem o mesmo charme das de Navarra mas todas tem igrejas medievais belíssimas construídas em pedra e com torres imponentes (mais altas que as demais construções da cidade) que podem ser vistas de longe, reforçando o poder da igreja nesta região.
Passamos por Granon, Castildelgado, Viloria de Rioja e nem a chuva nem o vento iam embora. Seguimos até a cidade mais próxima, Beloardo, e ficamos por aqui numa pousada de estilo rústico muito charmosa chamada Casa Rural.
Jantamos um menu do peregrino no restaurante Picias, a poucas quadras da pousada, e vamos dormir antes da meia noite pois amanhã promete!
Beijos e abraços, PC
Dia 9 – 27/04
Belorado – Burgos
– 08h27 entre as cidades
– 52.000m
– Tempo pedalando: 4:26:34
– Acumulado: 297 km!
Frio, lama e chuva!!!
Assim pode ser resumido nosso sétimo dia de pedalada. Acordamos cedo e saímos bem rápido, a expectativa era fazer o dia render e rodar mais de 70km. Logo na saída de Belorado estava chuviscando e o caminho de Santiago, que é quase todo em terra e cascalho, estava encharcado. Com menos de 5km as bikes já estavam num estado lastimável e as roupas molhadas por fora. Encaramos uma subida de 780 para 1.153 metros de altitude, em menos de 10km, e batemos o recorde até o momento. A vantagem de subir tanto é que as arvores altas, bosques e florestas voltam a decorar a paisagem. O lado ruim é que o frio aumenta e o vento também. Depois de tanta subida vem a parte boa, certo? Hoje não, ao invés de descermos tranquilos descansando as pernas e refrescando o corpo tínhamos que pedalar na descida pois o barro era tanto que não dava pra ir na banguela.
Chegamos em San Juan de Ortega e a chuva não dava trégua. Decidimos seguir um pouco pelo asfalto para fugir da lama mas a chuva e o vento continuavam. No asfalto eu comecei a sentir a bike balançar um pouco, achei estranho mas segui adiante. Lá pelas tantas paramos para comer um cookie no meio da estrada, aquele maravilhoso que compramos em Pamplona e guardado para alguma hora difícil. Encostamos em uma área gramada e tranqüila, embaixo de altos pinheiros para degustar a preciosidade que havíamos guardado. As mãos fora da luva estavam congelando mas o prazer do cookie era maior. Só que alegria de peregrino dura pouco e nesta parada descobri que estava com mais um raio quebrado! Que coisa, mais uma ida à oficina na próxima cidade. Pedalamos mais alguns km pelo asfalto e o Zé parou para trocar as luvas. Sentei num banco e fiquei esperando aproveitando o momento para rezar um pouco. Não sei o que me deu, resolvi olhar a estrutura do bagageiro por trás da bike para analisar a parte que fica atrasado alforjes. Bati o olho no parafuso que prende o bagageiro ao quadro e vi que estava uns 3mm solto, quase saindo da rosca. Meu Deus! Se esse parafuso de 2 reais quebra ou cai é o fim da viagem. Agradeci o momento de inspiração e tratei de apertar o bendito.
Continuamos pelo asfalto até Burgos, o caminho é mais longo e menos bonito mas não dava pra encarar mais lama ainda mais com um raio quebrado. Após algumas olhadas no mapa e algumas perguntas aos pedestres chegamos na porta da oficina às 16:20 e tivemos que esperar 10 minutos para abrir. Oscar, o dono, também foi ótimo, demorou para começar o serviço mas trocou dois raios e deixou as duas rodas super alinhadas por apenas 12 Euros. Saímos da oficina às 17:20 prontos para pedalar mais uma hora e meia e dormir em Hornillos del Camino. Tomamos um gel de carboidratos e voltamos a seguir as setas amarelas que mostram o caminho até Santiago. A cidade de Burgos é grande e após 5 minutos de pedalada o frio não diminuía, só aumentava. Os termômetros das ruas marcavam 7°C mas a sensação era bem abaixo disso pois estávamos completamente molhados. Nenhuma roupa impermeável aguenta tantas horas seguidas de chuva, exceto aquelas específicas para velejar iguais do Amyr Klink. O Zé estava batendo os dentes e eu também, ambos com pés e mãos molhados, luvas e meias encharcadas. Mais 5 minutos e nada de esquentar o esqueleto, o vento gelava tudo e a chuva não parava de cair. Mudança de planos, vamos dormir em Burgos mesmo, chega de frio!
Paramos no primeiro hostel que encontramos e aqui estamos. Só que desta vez não segui o meu instinto de procurar outro, o frio era tanto que ficamos neste mesmo, resultado: não tem aquecedor no quarto que todas as noites usamos para secar roupas, meias, luvas e botas. Amanhã provavelmente iremos começar o dia úmidos para encarar mais frio e chuva que a previsão do tempo nos informa.
Vamos ter que rezar e peregrinar muito ainda… que assim seja. Não sei ao certo porque estou fazendo o caminho mas está sendo uma ótima experiência de fé, agradecimento, coragem, persistência, paciência e esperança. Boa noite, PC
Dia 10 – 28/04
Burgos – Frómista
– 10h44 entre as cidades
– 67.050m
– Tempo pedalando: 6:18:57
– Acumulado: 364 km
Mais frio, mais lama e mais chuva!!!
Esqueça tudo o que eu disse sobe essas coisas ontem, hoje tivemos tudo isso x 3.
Saí da pousada em Burgos com meias, bota e luvas molhadas. Como eu havia previsto nada secou no quarto mequetrefe em que dormimos. Pra ajudar o meu pneu estava murcho. Era 8:30 e tínhamos a pretensão de sair cedo. Enchi o pneu achando que a válvula tinha apenas vazado à noite mas descobri que não, de fato havia um furo e teria que trocar a câmara. O dono da pousada era um cara super enrolado e meio louco, ficava falando sem parar um monte de assuntos e repetia muitas vezes a mesma coisa, o coitado queria ajudar mas só atrapalhava. Sugeriu nos levar a um posto de gasolina para encher o pneu mais rápido mas não conseguia encontrar o tal posto. Quando encontrou, descobrimos que não havia bomba de ar comprimido. E tudo isso somente para evitar encher tudo de novo com a bomba portátil. Agradecemos e nos livramos do maluco chamado Ismael. Fomos para debaixo de uma marquise, lá pude trocar a câmara e ajeitar tudo com calma. Fazia 6°C mas os pés e mãos geladas deixavam a sensação ainda mais baixa. Pedalamos por uns 8km dentro de Burgos até chegar perto da saída da cidade e já estávamos batendo os dentes de tanto frio. Nesta hora resolvemos entrar em um café para esquentar o corpo e tomar um chocolate quente pois ao que tudo indicava seria um longo dia. E foi mesmo. Pegamos o caminho mesmo fora da cidade lá pelas 11h00. A chuva não parava, e não parecia que ia parar, estávamos com frio mas não havia outra escolha: era pedalar ou pedalar. Ontem eu falei de persistência, fé, coragem… pois é novamente temos que focar no objetivo final, suportar o desconforto e pedalar rezando para conseguir terminar com saúde.
Não apenas a chuva e o frio incomodam mas temos que enfrentar estradas de terra encharcadas que viram lama e às vezes uma espécie de argila. Hoje pedalamos nessas condições hostis durante mais de 10km, fazendo uma força bem maior pois o terreno fica pesado e girando o pedal muito mais vezes porque a roda traseira patina e gira em falso. Pelo menos o terreno era plano, passamos por apenas uma subida íngreme.
Paramos para comer um maravilhoso x-salada quentinho em Hontanas e tomar dois chocolates quentes cada um, era o único jeito de esquentar o corpo após varias horas pedalando molhados e no frio.
Um pouco mais adiante passamos pela charmosa vila de Castrojeriz que não pudemos aproveitar por causa da chuva incessante.
Apesar do péssimo tempo e do terreno encharcado, o relevo plano nos permitiu desenvolver uma ótima quilometragem.
Quando deu 17h a chuva deu uma trégua e ameaçou sair um sol, gritei de felicidade! Mas alegria de peregrino dura pouco e terminamos o dia ensopados da mesma maneira que começamos.
Pelo menos conseguimos um ótimo hotel 2 estrelas com aquecimento radiante que neste exato momento esta coberto de luvas, meias e roupas. Para o jantar degustamos o menu do peregrino com direito a vinho tinto.
Estamos exaustos com as pernas moídas de tanta força. Hoje o meu joelho voltou a doer e as costas do Zé também. Mas satisfeitos com o avanço de 67 km apesar de todas as dificuldades.
Seguimos rezando, aprendendo e superando.
Segundo o Zé hoje eu terminei de pagar os pecados dos últimos 31 anos, 11 meses e 29 dias. Amanhã entro nos 32 zerado!
Beijos e abraços,
PC
Dia 11 – 29/04
Frómista – Mansilla de Las Mulas
– 09h31 entre as cidades
– 92.830m
– Tempo pedalando: 6:28:48
– Acumulado: 457 km
Hoje eu ganhei muitos presentes: um dia completamente plano, piso de asfalto e cascalho bem assentado, tempo seco (choveu apenas um pouquinho de granizo no fim da tarde mas deu tempo de secar antes de chegar em Mansilla), um recorde de pedalada acima dos 100km e a noite da Pousada que foi presente do Zé!
De resto hoje foi dia de tirar o atraso, aproveitamos as condições favoráveis e mandamos ver. Tudo bem que eu cheguei com os joelhos doendo e a parte interior das pernas assada, mesmo usando cueca de microfibra sem costura, mas valeu o gostinho de superação em distância percorrida.
Hoje serei breve, vou falar com meus familiares que devem estar aflitos para dar um ‘oi’.
Gostaria de agradecer a todas as mensagens de parabéns e incentivo que eu recebi hoje pelo FB, adoraria responder TODAS individualmente mas é impossível. Obrigado!
Amanha tem mais, prometo.
Bjs e abs, PC
Dia 12 – 30/04
Mansilla de Las Mulas- Hospital de Orbigos
– 08h07 entre as cidades
– 53.540m
– Tempo pedalando: 4:39:42
– Acumulado: 510 km
Fiquem calmos, nós não fomos internados, Hospital de Orbigos é o nome da cidade.
Acordei tarde, fiquei lendo as mensagens de aniversario no FB e conversando com a família até altas horas. Até ganhei um parabéns a você via Skype da família do Zé que é super animada.
Ao lado da pousada fica o restaurante anexo de um albergue que usamos para tomar café da manhã com um delicioso suco de laranja exprimido na hora que depois descobrimos custar uma fortuna!
Saímos as 11h. Hoje eu e o Zé parecíamos dois funcionários públicos. Peço desculpas aos que trabalham pra valer, entre eles a minha mãe e alguns amigos, mas depois de pedalar 100km no dia anterior foi difícil manter o ritmo da pedalada. Fomos conversando e parando varias vezes durante todo o dia. É bem verdade que o percurso não ajudou em nada, os 50 km pedalados hoje foram em trilhas de terra ao lado de uma estrada de asfalto de grande movimento com barulho de carros e vento forte vindo de frente e do lado.
O tempo? Hoje foi difícil acertar a estratégia. Sabe aquelas corridas de F-1 que todas as trocas de pneu dão errado? Nos sentimos exatamente assim. Pela manha sol com céu azul, saímos com pouca roupa e lentes escuras, mal começamos o caminho vieram nuvens escuras e um vento congelante. Pára a bike, abre o alforje, tira o capacete, tira o casaco corta vento, coloca a camada do meio (fleece), recoloca tudo novo e fecha o alforje. Quinze minutos depois sai o sol, para o vento, o terreno começa a subir e toda a operação se repete. Nas ameaças de chuva ainda tem os acessórios impermeáveis (calça, luvas, polainas) que hoje entraram e saíram do alforje inúmeras vezes. O ápice do dia foi quando saímos de um boteco após comer um tradicional pão com jamón e queijo feito sem luvas pela mesma mulher que manuseia o dinheiro, pedalamos 600 metros e começou a chover granizo. Paramos debaixo de uma marquise e nos paramentamos para enfrentar a tal chuva. Já eram 16:23 e eu até brinquei falando para o Zé que agora iria até o final do dia naquela configuração. 800 metros adiante a chuva havia passado, o sol saiu de novo e o terreno era um leve aclive que exigia maior esforço. Caímos na gargalhada, a ponto de termos que parar e descer da bicicleta para continuar rindo até as barrigas não agüentarem mais. Não ficamos mal humorados, apenas rimos da situação porque não há outra alternativa senão aceitar as condições climáticas que Deus reservou para cada momento.
Muitas paradas para conversa, comida e troca de roupas depois chegamos à Hospital de Órbigos.
Pedalamos pela rua principal procurando uma pousada com banheiro privativo e nada. Fomos até o final da rua e passamos em frente à um senhor com seus seguramente mais de 80 anos e o Zé até brincou: “pergunta pra esse senhor”. Fomos até o final da rua e descobrimos que ela terminava numa área descampada, demos meia volta. Quando passamos de volta em frente ao tal senhor de bengala ele abordou o Zé com um sotaque difícil de entender. A principio fiquei lamentando achando que o senhorzinho ia nos atrasar. Disse que estávamos procurando por uma pousada e ele tentou me dizer para ficar num albergue de peregrinos que era mais barato. Meio sem paciência expliquei que preferíamos pagar um pouco mais para ter privacidade e um quarto com banheiro. Ele então começou a me explicar o que é uma casa rural e se gostaria de ficar lá pois era mais barato que hotel, eu disse que sim e ele tentou explicar, com bastante dificuldade, como chegar. Ao perceber que a explicação estava complicada ele mesmo disse que nos acompanharia ate lá. Fomos acompanhando o senhor falador e de passos lentos durante umas 5 quadras o que praticamente nos levou ao outro lado da vila. E não é que a Casa Rural era mesmo super simpática e aconchegante! Super simples mas confortável e tinha tudo o que precisávamos: duas camas, banho quente, lugar para as bikes, wi-fi e menu do peregrino para o jantar. Depois disso fiquei pensando quantas vezes em nossas vidas deixamos de dar atenção à alguém ou alguma coisa achando que ela irá nos atrapalhar ou nos fazer perder o tão precioso tempo, quando na verdade a solução pode estar onde não sonhamos que esteja?
Boa noite!
Dia 13 – 01/05
Hospital de Orbigos – Molinaseca
– 09h02 entre as cidades
– 64.090m
– Tempo pedalando: 5:46:34
– Acumulado: 574 km
Dia de recordes:
Maior altitude: 1.504 metros
Maior velocidade: 65 km/h
Pousada mais chique: Hostel Palácio.
Hoje chegamos em Molinaseca e nos demos o pequeno luxo de dormir em um hostel um pouco mais refinado. Nada demais, apenas um quarto mais espaçoso, banheiro reformado e uma pequena varanda com vista para a cidade. Terminamos o dia descendo uma serra deliciosa saindo dos 1.500 para 600 metros de altitude em apenas 13 km. Que downhill maravilhoso, todo em asfalto contornando as encostas da serra com a vista das montanhas nevadas ao fundo, cinematográfico! Nem preciso dizer que as velocidades alcançadas na descida foram vertiginosas, que a minha mãe e meu pai não leiam essa parte =P
Minutos antes estávamos na Cruz de Ferro, uma passagem muito especial na peregrinação pois fica no ponto mais alto do caminho, trata-se de um mastro de madeira com uma pequena cruz de ferro no topo e diversos objetos, santinhos, fotos, cartas, maços de cigarro, garrafas e objetos pessoais deixados no pé da cruz, é um momento de entrega onde o peregrino oferece sua redenção, superação, persistência, esforço físico e desconforto, simbolizado neste objeto. É emocionante ver uma pilha de desejos e/ou agradecimentos todos reunidos em um lugar tão especial onde as energias de milhares de peregrinos fluem forte e constante. A vista lá de cima é linda, há vários picos cobertos com neve nas montanhas ao redor, pelo menos nesta época do ano, mas neve que é bom mesmo não caiu na ‘nossa’ montanha.
Para chegar no topo desta montanha saímos de Hospital de Orbigos que fica a 810 metros de altitude e ao longo de diversos quilômetros chegamos ao topo em 1.504 metros. O desnível é altíssimo mas o terreno vai subindo aos poucos o que alivia o esforço. Mesmo assim não é fácil, paramos a 7 km antes do topo para repor as energias com um belo spaghetti seguido de croissant de chocolate com chocolate quente tão espesso que parecia um Danete quente!
Na saída de Orbigos encontramos um grupo de 3 espanhóis que também estão fazendo o caminho em bicis e já havíamos cruzado com eles algumas vezes mas hoje pela primeira vez mantivemos o ritmo lado a lado durante alguns quilômetros. É impressionante como o Brasil esta super bem visto aqui fora, todos comentam da nossa economia e crescimento, bem melhor do que ouvir: “Brasil? Ronaldo!”
O dia começou na pousada que havíamos sido levados na noite anterior pelo Sr. Inocêncio, aquele que eu fiz mal juízo. Apóso café da manhã super gostoso e caseiro a dona da casa, Sra. Maria Dolores, nascida em Portugal, pediu que assinássemos o livro de visitas. Ela pareceu ser uma mulher muito trabalhadora e também um pouco tímida. Ao assinar o livro me dei conta que a casa rural tinha um nome antigo: Nossa Senhora de Lourdes. Esse é coincidentemente (ou não) o nome da minha avó!!! Fiquei mais emocionado ainda com a história do dia anterior e de como fomos parar ali. Lembrei muito da minha vózinha e rezei para ela durante o caminho. Antes de sair o marido da Dolores, também português Manoel, nos mostrou o lindo jardim que ele mesmo fez e toma conta, com grama, flores, um pequeno lago decorativo com sistema de comportas para encher e esvaziar com a água da chuva, além de diversas ferramentas e objetos antigos muito bem guardados e aproveitados por ele na decoração do lugar. Um sujeito simples e muito engenhoso! Depois ainda nos mostrou que as cabeceiras de algumas camas foram feitas a partir de grades de varanda, soldadas por ele mesmo! E para finalizar dois banheiros para pessoas descapacitadadas, como dizem por aqui, com soluções super criativas idealizadas por eles.
Enfim, todas essas experiências na Casa Nossa Senhora de Lourdes foram super interessantes e acredito que de alguma forma eu deveria passar por aqui.
Acho que estou começando a entender esse ‘estranho caminho’!!!
PC
Dia 14 – 02/05
Molinaseca – Las Herrerías
– 08h59 entre as cidades
– 51.640m
– Tempo pedalando: 3:58:23
– Acumulado: 626 km
Hoje finalizamos o 12o dia de pedalada, não consigo me lembrar qual foi a última fez que fiquei 12 dias consecutivos sem entrar em um carro. Chegamos exatamente em 3/4 da viagem contando os 16 dias que temos para chegar a Santiago de Compostela, sem considerar os dias de chegada e saída.
Deixamos Molinaseca para trás sem tomar café da manhã e pegamos 6 km de estrada vicinal até Ponferrada. Chegando na cidade paramos em um café para comer o tradicional croissant na chapa com manteiga e geléia. A cidade é grande e a sinalização com setas amarelas não é muito constante como nos demais lugares, mesmo assim fomos tateando até chegar em um maravilhoso Castelo Templário do século XII. Aproveitamos que quarta-feira é um dia de entrada livre e gastamos uma hora visitando as ruínas deste lugar que ainda permanece cercado por um imponente muro de pedras claras, com torres de vigilância fosso e bandeiras hasteadas. Dentro do complexo havia uma exposição de livros antigos datados a partir do ano 980, exemplares maravilhosos dos mais variados tamanhos com letras rebuscadas e desenhos coloridos pintados a mão, além de mapas e estudos de astronomia datados de 1.277. Valeu a visita.
Saindo de Ponferrada o caminho volta a cortar vastos campos de plantações de uva, certamente o cultivo que mais vimos durante toda a viagem. Os troncos baixos e retorcidos tomam diferentes formas que variam conforme a sua imaginação, quase como quando observamos as nuvens.
Chegando na cidadezinha de Villa franca del Bierzo começou a chover e nos abrigamos na marquise de um prédio na praça principal que por sorte havia um banco vazio reservado para nós. Paramos as bikes e aproveitamos o momento para fazer mais um picnic, desta vez urbano.
Foi difícil sair dali, não pela chuva e nem por preguiça mas pelo pneu do Zé que furou 2 vezes. Trocar pneu de bike é fácil quando não se tem dois alforjes e outros itens em cima do bagageiro. Enfim, remendamos as duas câmaras e ainda compramos mais uma para deixar de reserva.
A partir de Villa franca fomos pedalando por um vale bem profundo e estreito, acompanhando o curso de um rio e cercados por montanhas altas de vegetação densa que carregavam em sua maioria folhas verdes mas também algumas amareladas queimadas pelo frio, formando lindas paisagens a cada curva. O clima e a paisagem aqui lembram muito o de Campos do Jordão, o que trouxe ótimas lembranças de infância. Neste momento fazia 15°C, a temperatura mais alta até o momento e já foi suficiente para pedalarmos de mangas curtas.
Nesse vale úmido e verde passamos por diversas vilas com casas de pedra, janelas floridas e cheiro de lenha sendo queimada na lareira ou no fogão a lenha, o que deixou os quilômetros finais muito agradáveis. Entre todas essas vilas escolhemos a de Las Herrerías, que fica bem no pé do Cebreiro, para dormir e descansar. Amanha o dia já vai começar bem rock’n roll com uma subida de 600 metros. A pousada que escolhemos também é de pedra com madeira e fomos acomodados em um quarto no terceiro piso com o teto inclinado e janelas pequenas. Jantamos truta pescada no rio que passa ao lado da pousada com batatas e vinho nacional. A internet não esta funcionando, vou tentar postar o diário amanhã cedo.
Hasta pronto,
PC
Dia 15 – 03/05
Las Herrerías – Sarría
– 08h15 entre as cidades
– 57.950m
– Tempo pedalando: 5:00:54
– Acumulado: 684 km
Rock’n Roll coisa nenhuma! A manhã foi uma ópera italiana.
Acordamos com chuva e enrolamos para tomar café da manhã e nos aprontarmos. A chuva parou, vambora!! Tudo pronto pra sair, a chuva recomeça. Abre o alforje, tira o tênis, coloca calça impermeável, fecha tudo e agora vai. O problema dessas calças (e também da jaqueta) é que elas protegem da chuva mas por outro lado não deixam respirar. Eu transpiro muito e tenho que ficar dosando o nível do esforço para não suar em bicas dentro da roupa. Foi assim que começou o dia, subindo uma serra, partindo de 650 até 1.300 metros, pedalando bem devagar, sentindo um calor molhado dentro da roupa e frio congelante nas partes expostas. Fazia uns 6°C. Já enfrentei diversas situações assim outras vezes fazendo trilhas a pé mas hoje a diferença térmica estava demais, a sensação de desconforto era muito grande e o dia havia começado a apenas 20 minutos. O Zé estava bem, ele geralmente sente mais frio do que eu e transpira menos, conseguiu estabilizar uma temperatura boa.
A serra sobe por um vale lindo que mal podia ser visto por causa das nuvens. Foram 8 km em 2 horas assim: subindo, suando e passando frio, até que a chuva deu uma acalmada e chegamos em uma pequena vila chamada Pedra fita del Cebreiro a 1.100 metros de altitude. Achei que ali era o fim pois não havia mais para onde subir e pensei que o meu mapa estava com a altimetria errada. Mas que nada, a estrada fez uma curva e apareceu uma outra parte da montanha ainda mais alta. Nessa hora, quando contornamos pelo outro lado da montanha para continuar a subida, a chuva apertou e o vento aumentou. Em 2 minutos a roupa que já estava molhada não agüentou e eu fiquei encharcado. Ainda faltavam uns 3 km. Foi o momento mais difícil até agora. A chuva caía forte, de lado, e ventava horrores. Só consegui me concentrar para subir quando desliguei o foco do frio, assumi o desconforto e resolvi seguir adiante somente pensando no topo. E como demorou pra chegar. Depois fiquei sabendo por outros bicigrinos que a temperatura ali foi de zero grau! Acelerei o máximo que eu pude para ficar “aquecido” e o Zé acabou ficando para trás. Nos momentos que empurrava a bike sentia as botas cheias de água pisando no asfalto e fazendo aquele barulho característico blosh, blosh. Nos momentos em que pedalava a luta era para seguir em linha reta porque o vento empurrava para o lado. Depois de muito rezar, sentir frio e me perguntar o que eu estava fazendo ali, finalmente avistei algumas casas e a placa de 1.300 metros de altitude. Graças a Deus! Pedalei como um louco e entrei no primeiro bar/restaurante. Ao entrar pingando, sem tirar o capacete e tremendo de frio, olhei para o salão e haviam vários outros bicigrinos na mesma situação. Dois espanhóis me chamaram para dividir a mesa com eles e pedi a mesma sopa pelando que estavam tomando. Depois de 10 minutos chega o Zé, tinha me procurado em todos os bares da vila e me encontrou no último. E o filho da mãe estava com uma luva daquelas sem o dedo! Trouxe meus alforjes para dentro e troquei todas as minhas roupas, fiquei seco novamente. Enfiei o pé na bota com um saco plástico por cima da meia. O Zé tomou dois chocolates quentes e trocou apenas algumas peças. Seguimos pedalando por mais 7 km lá no topo entre subidas e descidas até chegarmos no inicio da descida. A chuva não parou, pelo contrário até caiu um pouco de granizo, mas pelo menos estávamos rendendo. Agora eu estava confortável e o Zé não. Rodamos 14 km em 30 minutos, isso porque o vento na descida estava contra. Baixamos de 1.335 para 700 metros.
Depois disso foi tranquilo. Por volta das 17h o sol apareceu entre as nuvens e pudemos sentir o calor dos raios sobre a roupa. Que sensação maravilhosa, um presente da natureza. Agora podíamos contemplar as pequenas propriedades rurais ao longo da estrada com campos verdes e também brincar com a sombra no asfalto. Paramos em Sarria para trocar mais um raio da minha roda traseira e aqui ficamos.
Em dias assim fica nítido como temos que seguir adiante e enfrentar situações adversas para poder desfrutar e valorizar os raios de sol do outro lado.
A previsão do tempo para os próximos dias até o destino final também é de chuva. Acho que São Tiago quer testar nossa vontade de chegar. Confesso que dá uma preguiça danada mas vamos ter que sair mais um dia debaixo de chuva e com a cabeça erguida. Faltam 3 dias e 114 km.
PC
Dia 16 – 04/05
Sarría – Palas do Rey
– 06h27 entre as cidades
– 46.390m
– Tempo pedalando: 4:29:00
– Acumulado: 730 km
Não falarei mais do tempo. A chuva deixou de ser uma variável e passou a ser um fato dado. Acordamos com chuva, saímos com chuva, pedalamos com chuva e chegamos debaixo de chuva. Apenas em alguns poucos e rápidos momentos não havia água caindo sobre as nossas cabeças mas nunca em tempo suficiente para secar alguma das peças de roupa. Mãos, pés e corpo molhados também foram constantes, não vou gastar mais tempo escrevendo sobre isso.
Hoje o aprendizado foi desfrutar do caminho e das paisagens mesmo com desconforto, frio, molhado e cansado. Quando se consegue fazer isso a sensação de paz é grande e muito prazerosa. Nos momentos em que o vento batia gelado eu lembrava do sol de ontem à tarde esquentando nossas roupas e corpos. Quando a chuva apertava eu fechava a jaqueta, aumentava o ritmo da pedalada para esquentar e sentia o momento. Já que não era possível mudar o clima, aproveitamos do jeito que dava. É claro que isso só foi possível porque não tivemos temperaturas tão extremas quanto as de ontem.
Antes de sair passamos no mercado para comprar provisões e economizar um pouco. Entre Sarría e Portomarín o caminho foi uma delicia, íamos num sobe e desce bem gostoso onde as subidas terminavam na hora certa e em seguida vinha uma curta mas refrescante descida sentindo a chuva no rosto. Pedalamos assim por longos e gostosos quilômetros em um caminho estreito que às vezes era de asfalto, às vezes de paralelepípedo e às vezes de terra (lama). Nos divertíamos derrapando na lama, atravessando poças, rios e encarando as subidas de paralelepípedos. Sem falar nos trechos de downhill dos mais variados níveis e tipos de terreno. O caminho cortava uma aérea bem rural que alternava propriedades e plantações com pequenas vilas de trabalhadores com casas de pedra bem antigas. Em Portomarín paramos na entrada de uma loja de edredons para nos proteger da chuva e do vento enquanto comíamos os lanches comprados no mercado. Aproveitamos que era hora da ciesta aqui na Espanha para utilizar este espaço perfeito para um abrigo. Fazia frio e ficar ali comendo olhando aqueles edredons secos e quentinhos foi uma tortura. Aproveitamos o momento para conversar da vida e logo seguimos adiante.
Daqui pra frente o caminho acompanhou bastante a estrada, o que nunca gostamos muito, embora as paisagens estivessem bonitas e em alguns momentos o caminho seguia por entre áreas rurais também.
Chegamos em Palas del Rey ensopados e conseguimos uma merecida pousada com chalés de madeira e um ótimo menu do Peregrino que incluía filé de merluza. Colocamos as roupas para secar no aquecedor radiante, mais uma vez nossa salvação, e vamos descansar. A essa altura é difícil fazer o corpo acompanhar a mente, a cabeça quer chegar logo mas o corpo esta cansado e fadigado. Aliás, hoje não senti dores nos joelhos o que já é uma grande evolução. Rezei o caminho todo agradecendo este presente de Deus que é fazer esporte sem dores.
Ultimo comentário: na saída do restaurante havia duas mulheres cantando e dançando o som ambiente que naquele momento era: Gustavo Lima e você tereretetetereretete-te-te! Só faltou o Michel Teló.
Faltam dois dias para Santiago!
Abraços,
PC
Dia 17 – 05/05
Palas de Rey – Pedrouzo
– 06h35 entre as cidades
– 48.920m
– Tempo pedalando: 4:32:51
– Acumulado: 779 km
O dia hoje foi muito parecido com o de ontem. Agora que estamos no final vamos administrando a distância e o tempo. Acordamos e saímos tarde.
O caminho segue pelas mesmas estradas estreitas com todos os tipos de terreno. Subidas e descidas curtas se alternando o que torna o pedal muito agradável. Amassamos muito barro, descemos trilhas de terra e pedras, e no final pegamos um pouco de asfalto em uma espetacular descida de quase 4 km. Passamos novamente por diversos bosques e propriedades rurais, lindas casas de campo e alguns pequenos sítios. Aqui na Galícia os campos com parreiras dão lugar ao gado e as ovelhas. Há também algumas áreas plantadas começando a brotar, não deu para saber o que era. A chuva e o frio estiveram presentes o dia inteiro novamente mas os intervalos entre as águas foi maior. No final do dia (depois das 18:30) o sol apareceu para nooooossa alegria! Agora são 20:45, já estamos alojados e limpos, e ainda podemos ver os últimos raios atrás das árvores em frente à pensão.
Aproveitei a calmaria do dia para pensar na vida. Esse caminho tem uma energia muito boa, as pessoas passam e se desejam “buencamino”, todas estão em busca de algo e se ajudam, há respeito, os carros passam bem longe dos pedestres e bicicletas, a única preocupação é seguir as setas amarelas, há tempo de sobra para rever alguns conceitos, captar essa energia incrível, fazer planos e perdoar pessoas que te machucaram.
Estamos quase chegando, amanhã será o ultimo dia de pedalada. Hora de tirar o pé e assimilar todas as experiências. Assim irei encarar os últimos quilômetros.
Até amanhã, em Santiago.
PC
Dia 18 – 06/05
Pedrouzo – Santiago de Compostela!!!
– 03h00 entre as cidades
– 20.610m
– Tempo pedalando: 2:20:07
– Acumulado: 800 km
Noite bem dormida, acordamos às 8h00 e 9h30 já estávamos na “estrada” para completar os últimos 20k do caminho. Não havia pressa, ao contrário, fomos bem devagar conversando, contemplando, pensando, aproveitando os minutos finais da jornada. Ainda havia tempo para reflexões, trocas, conselhos, palavras de incentivo e agradecimento. Foi praticamente um passeio e nem sentimos o tempo passar.
Um pouco antes de Santiago há um lugar chamado Monte do Gozo de onde é possível avistar a cidade ao longe. Dali pra frente é uma descida deliciosa até o destino final. Quem chega ali consegue terminar a sua peregrinação, nem que seja rolando. Passamos pela rotatória de acesso e entramos nas ruas cantando a música do Esporte Espetacular: pá pápápápá.
Estávamos seguindo as últimas setas amarelas e as últimas conchas de bronze cravadas nas calçadas de pedra. Neste aspecto, fazer o caminho é fácil. Basta força de vontade, determinação e uma cabeça aberta para desfrutar, sentir e aprender coisas novas. Terça-feira, quando o avião aterrissar no Brasil e sairmos do aeroporto não haverá setas amarelas para seguir. Cada um irá, com novas visões, experiências e sentidos, seguir traçando o próprio caminho, lutando por aquilo que acreditamos, e principalmente não deixando que o brilho interior se apague diante das dificuldades da vida.
Paramos na frente da Catedral de Santiago de Compostela após 16 dias e exatos 800 km de muita terra, pedras, barro amassado, asfalto, subidas e descidas. É praticamente uma amostra do viver, uma experiência de um pouco de tudo concentrada em pouco mais de duas semanas. Chegar aqui é emocionante e gratificante, sensações de força, realização e paz invadem o peito. É difícil explicar, apenas recomendo essa experiência para todos aqueles que desejam se tornar uma pessoa melhor.
Recebi a mensagem de uma amiga dizendo justamente que sentido é o movimento interno que nos tira da cama todas as manhãs com o desejo de fazer deste um grande dia, é a busca da origem e o alimento vital para a busca da plenitude. O sentido é algo íntimo em cada pessoa e o que torna cada uma delas única em sua existência.
Hoje eu não vejo isso possível sem a fé. A fé que levou São Tiago a se encontrar com a vida (sentido). O entusiasmo de acordar todos os dias é, etimologicamente, sinônimo de Divino e que em grego significa endeusado, ou, ter Deus dentro de si. O difícil é manter este sentimento de fé aceso o tempo todo, pelo menos para mim. Acho que terei que fazer outras peregrinações mais.
Seguimos para o hotel que fica em um antigo seminário ao lado da catedral, lavamos as “bicis”, tomamos banho, colocamos roupas limpas! e fomos trocar a credencial do peregrino com os carimbos de todos os lugares por quais passamos pela “Compostela”, um certificado escrito em Latim atestando a peregrinação. Não que precisasse atestar nada pra ninguém, mas façamos como roga a tradição.
Às 18h assistimos a missa da Catedral de Santiago, rezada de forma idêntica à nossa só que em Espanhol. A grande diferença é que no sermão o padre acrescenta algum significado aos peregrinos, que sempre estão em grande número na cidade e na missa.
O sermão de hoje foi bem interessante, o padre aproveitou o gancho pós Páscoa e falou sobre o renascimento do peregrino que acabou de completar o caminho. Antigamente esse renascimento era simbolizado com a queima das roupas utilizadas durante a peregrinação e o recebimento de novas por esta “nova” pessoa. Este homem renascido pode estar em qualquer lugar, não precisa necessariamente ter feito o caminho. A importância está no novo sentido da vida e isto é chamado pelo padre de obras a serem realizadas, muito mais importante do que dizer ou pensar é necessário fazer, colocar em prática novas atitudes.
Em seguida falou sobre como manter essa linha de conduta é difícil e deu como exemplo o mandamento “não matarás”. Não matar com facas ou armas mas sim como todos nós matamos diariamente com pensamentos, gestos, atos e palavras. Foi o golpe final.
Nesta missa eu incluí nas intenções de oração os nomes de todos vocês que me acompanharam pelo FB neste caminho, que de alguma forma gostaram ou se identificaram através das palavras aqui escritas penosamente através do teclado de um iPhone. Subi os degraus que levam à imagem de Santiago e lhe entreguei meus agradecimentos e pedidos.
No fim, creio que a melhor observação do caminho é que cada indivíduo faz o seu próprio, mesmo passando pelos mesmos lugares. E não poderia ser diferente pois estar em contato com si próprio, Deus e a natureza é sempre uma experiência única.
Zé, obrigado pela companhia, confiança em compartilhar assuntos pessoais e conhecimento sobre o caminho. Esta experiência de bicigrinar não teria sido possível e tão enriquecedora sem você.
Por fim, vou repetir as mesmas palavras utilizadas quando voltei da expedição na Patagônia. Desculpem a falta de criatividade mas ainda não encontrei palavras que melhor descrevem o sentido de qualquer viagem, escritas por alguém que muito admiro:
“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.
Amyr Klink
Beijos e abraços a todos!
PC